Uma interpretação de alguns analistas de contas públicas sobre a fixação da meta de déficit primário de 2016 de R$ 170,5 bilhões para o governo central é a de que a equipe econômica buscou criar alguma margem nos gastos deste ano. Isto, por sua vez, poderia ter diferentes motivações: lidar com frustrações de receitas ou surpresas para cima nas despesas obrigatórias em 2016; e/ou partir de um nível de despesas - cuja correção pelo IPCA do ano anterior passa a ser, a partir de 2017, o teto constitucional do gasto federal, caso a PEC com este fim seja aprovada - que permita o cumprimento do limite nos primeiros anos de vigência sem excesso de dificuldades.
Cálculos de um especialista em contas públicas indicam que a meta de superávit primário de R$ 139 bilhões em 2017 pode ser cumprida com relativa tranquilidade supondo-se, para 2016, as projeções de receita do governo e um déficit primário em torno de R$ 150 bilhões; e um crescimento de 1% no próximo ano. Neste caso, talvez não seja nem preciso que o governo realize efetivamente todo o prometido "esforço adicional" de receita em 2017, de R$ 55 bilhões.
"Dado que o mercado já internalizou o déficit de R$ 170 bilhões, é possível que o governo use uma boa parte ou até todo este espaço, que permite um pequeno crescimento do investimento público em relação ao ano anterior; é algo que dá uma gordura, um fôlego para aplicar a regra", diz o especialista.
Na verdade, outro analista cogitou até que a equipe econômica pudesse ter a pretensão de levar o déficit a R$ 170 bilhões em 2016, mesmo que não houvesse justificativa pelo lado da frustração de receitas ou de aumentos inesperados de despesas obrigatórias. A ideia seria criar um nível alto inicial de despesa para facilitar o cumprimento do teto em 2016 e 2017.
Mas esse raciocínio não encontra muito respaldo pela simples razão de que o mercado perceberia facilmente essa "esperteza", o que iria prejudicar o principal objetivo da estratégia fiscal: recuperar a credibilidade, de tal forma que os investidores tenham confiança na solvência do governo mesmo que os resultados no curto e até no médio prazo continuem aquém do necessário para estabilizar a dívida pública.
De qualquer forma, as maiores preocupações em relação à estratégia fiscal continuam centradas na capacidade de se cumprir o limite do gasto público no médio e longo prazo.
Dependendo de como se fazem os cálculos, chega-se a ritmos médios de crescimento real da despesa da União nas últimas décadas de 4,5% a 6,5% por ano. "Seria hercúleo um esforço para reduzir o crescimento da despesa real para 2%, o que a manteria constante em relação ao PIB, supondo que a economia voltasse a crescer a 2% ao ano; reduzir para zero não é factível", diz o primeiro especialista mencionado acima.
Ele lembra que, até 2060, a população com mais de 60 anos deve crescer de 2% a 3% anualmente. Assim, os gastos da Previdência continuarão crescendo em termos reais, pelo aumento do número de beneficiários, mesmo que uma reforma conseguisse reduzir a zero os reajustes reais da regra da correção. Ele acrescenta que, com a introdução de uma idade mínima superior à média de idade com que se aposenta hoje, pode haver um ganho transitório em relação à evolução do estoque de benefícios. Mas este terá duração de apenas alguns anos, e depois o crescimento baseado na demografia deve ser retomado. (fernando.dantas@estadao.com)
Fernando Dantas é jornalista do Broadcast
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 19/7/16, terça-feira.