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Economia e políticas públicas

Opinião|A seca e a economia

Novo estudo radiografa efeitos econômico-geográficos de uma década de pouca chuva no Brasil.

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Atualização:

A segunda década do século XXI foi caracterizada no Brasil pelo clima anormalmente seco. Em recente coluna neste espaço, o impacto negativo da falta de chuvas no PIB brasileiro foi o foco.

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Agora, recém-publicado artigo dos economistas Christoph Albert (Collegio Carlo Alberto, em Turim), Paula Bustos (CEMFI, instituição de pesquisa e graduação em Economia, em Madri) e Jacopo Ponticelli (Kellogg School, da Northwestern University, nos Estados Unidos) mostra que o tempo seco no Brasil na década passada teve expressivos impactos em termos de produção agrícola e deslocamentos de capital e trabalho nas regiões mais afetadas.

Na introdução ao estudo, eles apontam esses resultados encontrados no Brasil como evidência dos impactos que as condições extremas de clima causadas pelo aquecimento global podem ter no mundo inteiro em termos econômicos e sociais.

Para estabelecer quão seco  foi o clima no Brasil na década passadas os pesquisadores utilizam dois indicadores. O primeiro, da Defesa Civil, mostra que os municípios brasileiros reportaram de 1000 a 1500 secas por dia na década de 2000, número que subiu para 2000 por dia na década de 2010.

O segundo se baseia num indicador de clima seco (SPEI, na sigla em inglês) que mostra forte alta na maior parte do Brasil na segunda década deste século.

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Municípios entre os 10% com SPEI mais alto tiveram em média perda de 11% da produção agrícola comparados à mediana. Já aqueles entre o 1% de SPEI mais alto perderam 21%.

Empregando dados da rede de agências bancárias, Albert, Bustos e Ponticelli encontram que municípios entre os 10% mais secos (pelo SPEI) tiveram redução de 10% nas operações de crédito de 2000 a 2010 comparados com a mediana.

Ainda comparados com a mediana dos municípios brasileiros, os 10% mais secos em 2000-10 sofreram uma perda populacional devido à migração líquida de 1,8%, e redução do emprego de 4%.

Essa queda do emprego foi uma combinação de recuo forte do trabalho agrícola, moderado nos serviços e um aumento expressivo no emprego industrial.

Na visão dos pesquisadores, a queda da produção agrícola pode ter afetado negativamente os serviços pela oferta, e positivamente a indústria via redução do custo do trabalho.

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Segundo a pesquisa, aproximadamente um quarto dos trabalhadores que deixaram a agricultura nos municípios mais secos foram para a indústria no mesmo local, metade migrou para outras cidades e o restante ou ficou desempregado ou está na margem de erro.

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Já as cidades que receberam o fluxo de migrantes dos municípios mais secos viram aumentar os empregos na agricultura e nos serviços, mas não na indústria.

Os autores levantam as hipóteses de que esses trabalhadores que migraram dos municípios mais secos para outras localidades não tenham as capacitações necessárias para o trabalho na indústria e/ou não tenham redes sociais conectadas ao setor industrial.

Na seção final do trabalho, empregando microdados da RAIS, Albert, Bustos e Ponticelli detectam que os migrantes que deixam os municípios mais secos tendem a se empregar em empresas que já têm as maiores proporções de trabalhadores  da mesma origem. Dessa forma, em vez de se espalharem pelas empresas em geral dos municípios de destino, eles tendem a trabalhar naquelas que já são conectadas ao município de partida.

Adicionalmente, os pesquisadores mostram que é justamente a indústria o setor menos conectado às correntes migratórias dos municípios mais secos.

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Isso pode tanto refletir uma maior concentração geográfica da indústria como também o requerimento de mais capacitações dos trabalhadores, pois, mesmo quando os migrantes têm conexões com a empresa industrial do município receptor, as chances de contratação são três vezes menores do que no caso de empresas agrícolas na mesma situação.

Na conclusão, os autores apontam que períodos prolongados de seca - ou outras mudanças climáticas extremas provocadas pelo aquecimento global - podem provocar movimentos de capital e trabalho entre regiões e alterações da estrutura produtiva, tanto no ponto de partida quanto no de destino.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 13/6/2022, segunda-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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