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Economia e políticas públicas

Opinião|Outro olhar sobre a dominância fiscal

Vinícius Botelho, do Ibre/FGV, chama a atenção para a importância de se preservar a posição cambial credora líquida do setor público.

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Atualização:

Correntes do mercado financeiro têm comprado ao longo das últimas semanas a interpretação, já discutida nesta coluna, de que o País chegou muito perto da "dominância fiscal", ou até nela já embarcou. As reações do mercado e até do Banco Central (BC) parecem dar algum suporte a essa visão. A crise fiscal está levando à disparada do risco e do câmbio (ainda que tenha havido recuo nos dois últimos dias), e o BC já sinalizou que não vai referendar com altas da Selic a empinada da curva de juros. A autoridade monetária, na verdade, mantém o discurso do IPCA no centro da meta em 2016 de forma cada vez mais artificial e oca, como indica a sinalização de Selic estacionada diante da alta das projeções de mercado da inflação para 2016 e inclusive no próprio modelo do BC.

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Uma possível leitura desses fatos é que o BC já trabalha (embora por razões óbvias não vá admiti-lo) com o risco de dominância fiscal, e assim se acanha em usar a Selic porque teme que esta linha de ação coloque mais lenha na fogueira da angústia fiscal. Assim, restaria a tentativa cautelosa de domar o câmbio para mitigar o descolamento de expectativas provocado pela desvalorização. Um dos argumentos da dominância fiscal é o de que ela ocorreria, no Brasil, pela taxa de câmbio.

O economista Vinícius Botelho, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV-Rio), acrescenta outras facetas à interpretação do que está acontecendo. Para ele, ainda que haja dominância fiscal pela taxa de câmbio, ela não tem uma característica explosiva. Porém, se o BC resolver usar as reservas internacionais para conter a depreciação cambial que ocorre em função do aumento do risco - e já há indícios de que isto esteja acontecendo, como apontado acima - é bem capaz que se estabeleça uma dominância fiscal explosiva por este canal. Neste caso, o País poderia caminhar para uma situação bem mais catastrófica do que a atual.

O ponto básico de Botelho é que o governo brasileiro tem uma posição cambial credora de aproximadamente R$ 180 a R$ 190 bilhões - as reservas internacionais menos a dívida atrelada ao câmbio e os swaps cambiais (o cálculo exclui a Petrobrás e a sua grande dívida externa). Assim, a desvalorização, na verdade, melhora a posição patrimonial do setor público. Apenas como um exercício teórico, o economista calculou que, se o câmbio fosse a R$ 25, o governo zerava a dívida pública interna e ainda manteria as reservas internacionais, como proporção do PIB, que tem hoje.

Esses ganhos patrimoniais com a desvalorização, na sua visão, criam um fator que contrabalança altas de risco e do dólar pela insegurança fiscal e faz com que não tenham uma característica explosiva. Isto não quer dizer que não aconteçam, ele frisa, apenas que não têm como ganhar uma dinâmica explosiva.

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Há corolários evidentes da interpretação de Botelho. O primeiro deles é que cumpre preservar de todas as maneiras a posição credora cambial do governo. Isto leva à sua recomendação de que o BC não tente impedir a desvalorização do real com o tipo de intervenção que está fazendo, e muito menos que venda reservas, como alguns participantes de mercado sugerem.

Botelho nota que as reservas funcionam como um seguro para o investidor estrangeiro, que fica mais tranquilo ao notar que há uma porta de saída aberta caso queira retirar seus capitais. Ele acrescenta que literatura econômica empírica indica o caráter especial desse seguro, cuja existência diminui o próprio risco do sinistro. Sabendo que há porta aberta, o investidor fica menos propenso a sair.

Outro ponto fundamental, para ele, é que o governo não assuma o risco cambial do setor privado, oferecendo hedge para as empresas na forma de colocação líquida de swaps e outros instrumentos cambiais. Porque é possível que a posição cambial líquida do País, incluindo governo e setor privado, não seja credora. Na verdade, é difícil estabelecer isso, visto que é possível enxergar razoavelmente bem o endividamento bruto do setor privado, mas não tanto os seus ativos dolarizados e inclusive as receitas futuras em dólares.

Mas ao oferecer hedge ao setor privado, o governo diminui sua posição credora líquida cambial, e reduz os efeitos patrimoniais positivos da desvalorização. No limite, pode eliminá-los, e aí sim, na visão de Botelho, entra-se no terreno da dominância fiscal pela taxa de câmbio e pode ocorrer uma tempestade muito pior em termos de desvalorização do câmbio, deterioração da dinâmica da dívida bruta e problemas com potencial sistêmico em empresas privadas não hedgeadas.

(fernando.dantas@estadao.com)

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Fernando Dantas é jornalista da Broadcast

Esta coluna foi publicada pela AE-News/Broadcast em 29/9/15, terça-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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