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Economia e políticas públicas

Opinião|As commodities e a inflação global sincronizada

Para Bráulio Borges, da LCA e Ibre-FGV, é preciso entender fatores que afetam diferentes categorias de matérias primas no atual ciclo para projetar inflação de países como Estados Unidos, Brasil e outros.

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Foto do author Fernando Dantas
Atualização:

Há uma grande sincronia entre a aceleração da inflação ao consumidor dos Estados Unidos e a do Brasil desde o início da pandemia. A observação é de Bráulio Borges, economista sênior da LCA e pesquisador-associado do FGV-Ibre.

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A correlação entre a aceleração da taxa acumulada em 12 meses do CPI americano e a do IPCA brasileiro foi de 95% entre março de 2020 e outubro de 2021, pelos cálculos do economista, vinda de pouco mais de 30% entre janeiro de 2018 e fevereiro de 2020

O CPI dos Estados Unidos subiu 1,3% em 2020, chegando a uma alta acumulada de 6,2% nos 12 meses terminados em outubro. Como nota Borges, considerando o "nowcast" para o CPI do Fed de Cleveland para novembro, de 0,57%, e admitindo uma alta de 0,3% em dezembro, o CPI americano cheio deve fechar 2021 com uma elevação de cerca de 6,7%. Isso significa uma aceleração de 5,4 pontos porcentuais (pp) na comparação de dezembro de 2021 e de 2020, em termos de taxas acumuladas em 12 meses.

Já no Brasil, o IPCA deve saltar de 4,5% em 2020 para algo entre 9,5% e 10% (há quem preveja até mais) em 2021, também acelerando 5/5,5pp entre este ano e o passado.

O economista analisou também a evolução da inflação ao consumidor no conjunto dos países da OCDE desde o início da pandemia, encontrando novamente elevada correlação entre a aceleração da inflação brasileira e a "mundial", num sinal claro de inflação globalizada.

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Borges examinou, em particular, a correlação entre as acelerações e desacelerações das taxas acumuladas em 12 meses dos índices de inflação varejista do Brasil e dos Estados Unidos desde 2001, e encontrou poucos momentos nesses 20 anos em que se observou uma sincronia tão elevada quanto a recente. E esses momentos coincidem ou com fortes acelerações dos preços de algumas commodities (2003 e 2012/13) ou com a crise financeira global (2008/2009).

O mundo claramente se encontra de novo num período de forte alta das commodities, que provoca pressão inflacionária global. A grande questão para os países é saber quanto desse fenômeno é temporário, e quanto é persistente.

Borges observa que o índice de commodities do FMI, que engloba as metálicas (excluindo o ouro), energéticas e agrícolas, valorizou-se em 150% entre abril de 2020 e outubro de 2021.

Mas ele acrescenta que não é muito "justo" tomar abril do ano passado como base de comparação, porque as matérias primas despencaram com o impacto inicial da pandemia. Tomando-se o final de 2019, a alta é de 70%, isto é, menor, mas ainda assim trata-se de um choque de grande proporção.

Apenas em setembro e outubro deste ano, aponta o economista, o índice do FMI subiu cerca de 20%, puxado por produtos como carvão, gás natural e petróleo.

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"Não é que as commodities tenham subido muito no final de 2020 e início de 2021 mas agora nós tenhamos um alívio", diz Borges.

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Na verdade, há bastante heterogeneidade entre as commodities neste ponto do ciclo. O minério de ferro, por exemplo, chegou a ultrapassar os US$ 200 por tonelada, mas depois recuou fortemente - em boa parte pelos problemas no setor de construção na China - e já é cotado abaixo de US$ 100.

No caso das commodities agrícolas, milho e soja já começaram a cair há alguns meses, mas ainda não "devolveram" boa parte da forte alta anterior.

E há finalmente o caso das commodities energéticas, impulsionadas por um coquetel de razões climáticas - o inverno no hemisfério Norte se aproxima - e geopolíticas, ligadas à rivalidade entre a Rússia e os principais países europeus e às articulações da Opep.

Segundo Borges, tentar entender os fatores que vão influenciar os preços internacionais das commodities nos próximos meses e ao longo de 2022 é hoje um exercício fundamental para projetar a inflação à frente nos Estados Unidos, no Brasil e em muitos países.

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No setor agrícola, por exemplo, há expectativa de um aumento espetacular da safra brasileira em 2022 (que influencia os preços globais), que pode atingir algo em torno de 10%, segundo as últimas projeções da Conab e do IBGE. Pelo outro lado, existem riscos climáticos relevantes, que podem impedir que essa perspectiva bastante favorável efetivamente se materialize.

Na energia, é possível um retorno à normalidade após o inverno no hemisfério norte, mas as incertezas geopolíticas nublam o cenário. Não se trata apenas da Rússia, nota Borges, mas também da Opep, que hoje está produzindo menos do que no período anterior à pandemia. Ainda responsável por cerca de 1/3 da oferta global de petróleo, o cartel poderia ajudar consideravelmente a aliviar os preços, caso quisesse - mas isso depende de um complexo jogo de decisões políticas muito difícil de antecipar.

Finalmente, as commodities metálicas estão sofrendo com a queda do mercado imobiliário chinês, mas um subconjunto dentre elas, como cobre, níquel, cobalto e lítio, pode se beneficiar da transição energética para uma economia livre de carbono. São matérias primas importantes no processo produtivo descarbonizado, como no caso de carros elétricos, por exemplo.

A expectativa é que o preço desses produtos possa subir muito nos anos à frente, mas isso depende de quão sério é o compromisso dos países com a transição energética. Alguns analistas ficaram preocupados com os resultados da COP26, com a sensação de que a retórica supera a real disposição para mudar em vários países.

Por outro lado, a recente vitória de Joe Biden em viabilizar já a partir do início de 2022 o seu pacote de infraestrutura de US$ 1,2 trilhão, parte do qual é destinado à transição energética, pode ser mais um impulso para as commodities metálicas, tal como o equivalente europeu, o NexGen EU, de US$ 900 bilhões, que começa a sair do papel.

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Como se vê, é um conjunto intricado de fatores que vai determinar a intensidade e a durabilidade da pressão inflacionária global das commodities. E há também, evidentemente, o processo de reversão do desvio do consumo de serviços para bens (que impulsionou a demanda por matérias-primas metálicas e energéticas) com o fim da pandemia, cujo ritmo e extensão também são muito difíceis de prever.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 16/11/2021, terça-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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