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Economia e políticas públicas

Opinião|Autonomia do BC avança

Com algumas concessões na definição dos objetivos do Banco Central (relativamente à visão mais ortodoxa), mas que aparentemente não comprometem a missão prioritária da autoridade monetária de controlar a inflação, projeto que formaliza autonomia operacional do BC está caminhando e pode ser votado em breve no plenário do Senado.

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Foto do author Fernando Dantas
Atualização:

Surpreendentemente, o projeto de autonomia do Banco Central (BC) avançou, mesmo em conturbados tempos de pandemia.

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Um projeto de lei complementar do Senado, de Plínio Valério (PSDB-AM), com relatoria de Telmário Mota (PROS-RR) ia ser votado em plenário ontem, mas a votação foi adiada para 3 de novembro.

O projeto prevê mandatos para a diretoria do BC intercalados com o do presidente da República, e formaliza a prática que já ocorre de o Conselho Monetário Nacional (CMN) determinar as metas de inflação, e o BC informalmente ter autonomia operacional para persegui-las.

Todo o busílis do que "estava pegando" nesse tema, entretanto, tem a ver com a definição dos objetivos do Banco Central. E aí foi uma história com pano para mangas.

Há um projeto do governo de autonomia do BC há dois anos na Câmara, mas semiparado. No segundo semestre do ano passado, o projeto do Senado começou a avançar, e foi aprovado na Comissão de Assunto Econômicos (CAE), seguindo para o Plenário, no dia em que estava sendo promulgada a Reforma da Previdência.

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Não é de estranhar que o projeto tenha passado pela CAE meio despercebido, e tenha sido aprovado com poucos votos.

O projeto do Senado era voltado basicamente para a questão dos mandatos e portanto, da autonomia operacional da política monetária, sendo mais simples que o da Câmara. Na versão original, o  projeto do Senado não dispunha sobre objetivos do BC nem sobre sua autonomia administrativa e financeira.

Ainda assim, era um projeto muito importante e vários senadores rapidamente se deram conta de que haviam "comido barriga" com sua passagem pela CAE e chegada ao plenário.

Sendo assim, duas emendas, que incluíam a questão dos objetivos do Banco Central, foram apresentadas, uma de Tasso Jereissati (PSDB-CE), e outra de Eduardo Braga (MDB-AM).

No mundo dos economistas, já havia um debate sobre o tema dos objetivos do BC. A visão mais convencional e defensiva, que tendia a ser a do Banco Central, era de que o melhor seria que o objetivo fosse o de perseguir a meta de inflação, com a tarefa complementar de zelar pela estabilidade e eficiência do sistema financeiro.

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No entanto, alguns economistas entendiam ser irrealista imaginar que a autonomia do BC seria aprovada pelo Congresso num figurino tão ortodoxo. No mundo inteiro, os BCs são pressionados a olhar também para a atividade e o emprego. E, de fato, eles olham. Não existe BC que persiga uma meta de inflação rígida, a qualquer custo em termos de atividade econômica e emprego.

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Quem entrou nesse debate, com manifestações públicas no ano passado, foi Arminio Fraga, ex-presidente do BC, e figura de muito prestígio junto ao establishment.

Arminio, surpreendendo e até desagradando muito dos seus colegas liberais, advogou que os objetivos do BC incluíssem a suavização do ciclo econômico, como objetivo secundário que não tiraria a primazia da busca da meta de inflação.

O argumento do ex-presidente do BC era duplo. Primeiro, os políticos iriam colocar alguma coisa sobre atividade e/ou emprego, então era melhor se antecipar e pôr algo que fazia sentido economicamente. Em segundo lugar, na prática todos os BCs já buscam suavizar o ciclo econômico. Incluir esse objetivo, de forma secundária à busca da meta de inflação, seria transparente e didático para a sociedade.

A emenda de Tasso estava muito afinada com a visão de Arminio. No seu primeiro parágrafo, estabelecia que o BC "tem por objetivo fundamental assegurar a estabilidade de preços". Num parágrafo único a seguir, determinava que, sem prejuízo do objetivo fundamental, o BC "também tem por objetivos suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e zelar pela solidez e eficiência do Sistema Financeiro Nacional".

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Já a emenda de Braga contrariava fortemente a visão convencional da atuação do BC, ao misturar e não hierarquizar diversos objetivos: "Compete ao Banco Central da República do Brasil perseguir o controle da inflação, a estabilidade financeira, o crescimento econômico e o pleno emprego, fiscalizar e regular o sistema financeiro para garantir um sistema sólido e eficiente, bem como cumprir e fazer cumprir as disposições que lhe são atribuídas pela legislação em vigor e as normas expedidas pelo Conselho Monetário Nacional."

O Projeto de Lei Complementar voltou a CAE do Senado e acabou que a emenda de Tasso, e não a de Braga, foi incluída. O poderoso senador pelo Amazonas, porém, não gostou, e consta que negociou com o BC mais uma mudança. No final, no projeto a ser votado em 3/11, o objetivo fundamental do BC é assegurar a estabilidade de preços. E, sem prejuízo desse objetivo, o BC também deve "zelar pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego".

"Fomentar o pleno emprego" foi a contribuição de Braga. A visão de economistas "mainstream" que apoiam o projeto é que a fórmula, tendo sido colocada como objetivo secundário e de forma não rígida (fomentar é diferente de "perseguir") é, se não a solução ideal, um compromisso aceitável.

Já Bráulio Borges, economista sênior da consultoria LCA e pesquisador associado do Ibre/FGV, se diz favorável à maior autonomia do BC (a ser conquistada com a formalização em lei). Mas ele nota que "com mais liberdade deve vir mais responsabilidade".

Assim, Borges considera positivo a definição do objetivo, incluindo a suavização das oscilações econômicas e o fomento ao pleno emprego, conceito que, a seu ver, deverá ser definido pelo próprio BC.

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O economista acrescenta que, recentemente, têm ganhado força a visão sobre os efeitos da histerese (tratados na minha coluna de ontem), em que quedas cíclicas da atividade econômica e do emprego têm efeito permanente ou muito duradouro no crescimento potencial.

Nesse sentido, um BC que se preocupe formalmente com atividade e emprego, sem perder de vista o objetivo principal de perseguir a meta de inflação, representa um avanço.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 22/10/2020, quinta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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