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Economia e políticas públicas

Opinião|Autonomia do BC e câmbio

O tema da autonomia legal do Banco Central (BC), que consta do programa de Marina Silva, atraiu forte atenção da parte do eleitorado (pequena, diga-se de passagem) que se preocupa com a condução da política macroeconômica. Na verdade, esse ponto destacou-se de outros compromissos tão ou mais relevantes, como o fim da contabilidade criativa, um aumento substancial do superávit primário e o reajuste dos preços administrados.

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Atualização:

Curiosamente, a independência do BC veio a se tornar um item fortemente emblemático da política econômica ortodoxa. No primeiro debate entre os candidatos a presidente na TV Bandeirantes, vários deles, como Luciana Genro, do PSol, e Eduardo Jorge, do PV, atacaram o que veem como a "entrega" do Banco Central aos interesses do sistema financeiro. Segundo esta abordagem, a autonomia, que isola os executores da política monetária das pressões políticas de curto prazo, é um mecanismo pelo qual o BC é capturado pelos bancos para estabelecer juros altos que ampliem as receitas financeiras. Seria o poder político, representado por um Executivo que controla o BC, que garantiria que a autoridade monetária se guiaria pelos interesses do povo, e não dos bancos.

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Não é apenas no Brasil que a autonomia do BC é um tema que, para além de sua importância econômica, serve como sinalizador ortodoxo para governos que desejam estabelecer este tipo de credencial. O exemplo clássico é a chegada ao poder dos trabalhistas de Tony Blair no Reino Unido em 1997, depois da longa era conversadora iniciada com o governo de Margaret Thatcher. Uma das primeiras providências do novo primeiro ministro foi a de dar autonomia operacional ao Banco da Inglaterra (BC). A medida teve efeito imediato de consolidar a imagem de Blair como a de um trabalhista da Terceira Via, que combinaria ortodoxia na política macroeconômica com uma agenda de avanço social via melhora da eficiência do Estado.

No Brasil, curiosamente, o Banco Central nasceu com uma teórica independência em 1965, dentro do conjunto de reformas econômica pós-golpe formuladas por Roberto Campos e Octávio Gouveia de Bulhões. Mas toda e qualquer autonomia de fato foi por água abaixo na prática quando o presidente Costa e Silva demitiu o então presidente do BC, Dênio Moreira, em 1967.

A bandeira da independência desde então sempre esteve presente do discurso dos liberais no País, mas só se tornou realidade quando Armínio Fraga assumiu o BC em 1999, depois da crise da desvalorização do real, e implantou o sistema de metas de inflação. Ainda assim, o novo status do BC foi conquistado de maneira informal: Fernando Henrique e seu ministro da Fazenda, Pedro Malan, de um lado, e Armínio e o BC, de outro, estabeleceram que uma meta de inflação seria fixada pelo Conselho Monetário Nacional, e que o Banco Central teria autonomia operacional para persegui-la. Em outras palavras, o Executivo e, especificamente, a Fazenda se comprometeram a não interferir na política monetária.

O arranjo foi mantido durante o governo Lula, com Henrique Meirelles na presidência do BC, mesmo que em um ou outro momento tenha se especulado sobre pressões que a autoridade monetária teria sofrido (os próprios interesses políticos de Meirelles podem ter influenciado algumas decisões, segundo alguns analistas). De qualquer forma, até pela forte personalidade do comandante do BC durante a era Lula, a percepção geral foi de que a autonomia operacional informal sobreviveu.

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Com Alexandre Tombini na presidência do BC no governo Dilma, a história complicou-se. Apesar de a linha oficial ter sido sempre a de que a autonomia operacional estava mantida, uma forte corrente de mercado crê que o BC passou a sofrer influência significativa do Executivo nas suas decisões.

Agora, com o novo passo de Marina de colocar a autonomia legal no seu programa, o debate deve ser reaberto. Um argumento que pode ser reavivado, por parte dos críticos da independência, é o de que Fernando Henrique não poderia demitir Gustavo Franco da presidência do BC na crise que levou à desvalorização do real em 1999, caso houvesse independência.

O curioso desse argumento é que ele aponta para o manejo da política cambial, um aspecto da independência do Banco Central que raramente entra nas discussões sobre o tema. Na verdade, nas principais economias ricas, intervenções no câmbio são bem mais da esfera da Fazenda do que do BC. Num país emergente como o México, há um comitê com representantes das duas instituições (mas voto de minerva do Ministério da Fazenda), para determinar a política de intervenções.

No Brasil, o BC está em meio a um maciço programa de venda de swaps cambiais, que já atingiu quase US$ 100 bilhões. Embora alegue que se trata apenas de uma medida para estabilizar o mercado e evitar a excessiva volatilidade, a maior parte dos analistas considera que o BC está segurando o câmbio como forma de dar um suporte adicional à política de controle da inflação.

Não está formalizado em lugar nenhum o processo decisório das intervenções cambiais no Brasil. Há uma percepção de que se trata de uma ação em comum acordo do BC e da Fazenda, e, de fato, é o que deve ocorrer em termos protocolares. Durante a vigência da "nova matriz econômica", em que se buscou ativamente a desvalorização, é provável que tenha pesado bastante a visão desenvolvimentista da Fazenda.

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Mas segundo fontes bem informadas, já há um tempo razoável que o BC vem dando as cartas da política de intervenção. Não é uma atribuição trivial. Para alguns críticos, está se gastando, em tempos de relativa bonança, o combustível da posição líquida em dólares do governo (reservas menos total de swaps), importante para enfrentar uma eventual crise de liquidez internacional mais séria. Assim, uma boa pergunta para os candidatos seria a de saber quem vai mandar na política cambial no próximo governo. É uma questão ligada à autonomia do BC, mas por um ângulo bem diverso do habitualmente focado neste debate.

Fernando Dantas é jornalista da Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Esta coluna foi publicada pela AE-News/Broadcast em 3/9/14, quarta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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