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Economia e políticas públicas

Opinião|BC reafirma plano de voo

Na ata da reunião de setembro, BC reforçou "prescrição" futura de não elevar Selic se expectativas e projeções de inflação ficarem comportadas e regime fiscal for mantido, mas "assimetricamente" deixou a porta aberta para um pequeno ajuste para baixo, se atividade e inflação se mantiverem muito deprimidas.

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Foto do author Fernando Dantas
Atualização:

O Banco Central (BC) não piscou na ata da reunião de setembro, divulgada hoje, assim como se manteve frio e impassível no comunicado e na sua comunicação recente.

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A alta da alimentação e a demanda aquecida por comida e outros itens de consumo popular, na esteira da liberação das parcelas do auxílio emergencial, assim como a angústia fiscal refletida na curva de juros, também por causa do auxílio e de outros programas de suporte da economia atingida pela pandemia - nada disso parece ter alterado o plano de voo da autoridade monetária.

Ou pelo menos foi isso que o Copom quis sinalizar na ata e na comunicação recente.

A ata martelou pontos já comunicados, com ênfase na "prescrição futura" (forward guidance).

Resumidamente, o BC sinalizou que não vai elevar a Selic a partir do ponto em que ela estacionou na reunião de setembro, 2%, a não ser que o regime fiscal seja quebrado, ou que as expectativas inflacionárias de longo prazo se desancorem, ou que as expectativas e projeções da inflação do cenário básico do Copom, no horizonte relevante da política monetária, estejam "suficientemente próximas" da meta.

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Alexandre Ázara, economista-chefe e sócio da gestora Mauá Capital, nota que, em relação a 2021, ano principal do cenário relevante de política monetária, a ata aponta que a expectativa de IPCA do Focus está em 3%, enquanto a projeção do BC no cenário híbrido está em 2,9%.

Como a meta de 2021 é de 3,75%, há uma expressiva diferença entre ela e a expectativa e a projeção. Logo, a condição de que estas não estejam "suficientemente próximas" da meta está confortavelmente atendida.

Ázara acrescenta que, no caso de 2022, o mesmo não ocorre. A meta é de 3,5%, a expectativa Focus também de 3,5%, e a projeção do cenário híbrido do BC é de 3,4%.

O ano de 2022 já está no horizonte relevante da política monetária, porém "em grau menor", comparado a 2021. O economista observa que, se as mesmas expectativas e projeções para 2022 estiverem presentes em junho de 2021, quando o ano subsequente se torna o principal do "horizonte relevante", o BC já estará começando a elevar a Selic.

É apenas uma suposição, claro, mas serve para dar uma ideia da possível durabilidade da atual "prescrição futura".

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Quantas às outras condições de manutenção da prescrição futura, uma delas, a ancoragem das expectativas de longo prazo, é objetiva. E está acontecendo em termos das projeções do Focus (embora não na inflação implícita entre títulos pós e prefixados).

A outra, porém, a manutenção do regime fiscal, tem um quê de julgamento, e mexe com o principal temor do mercado, que é a questão das contas públicas.

Aqui, a ata foi assertiva e lacônica: "O regime fiscal não foi alterado".

De fato, o teto constitucional ainda está lá, mas a tônica da economia política nesta saída de pandemia está longe ainda de assegurar que a política fiscal a partir de 2021 será responsável.

Tanto que a curva de juros empinou entre as duas últimas reuniões do Copom, apesar do esforço do BC, via prescrição futura, de achatá-la de volta.

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Mas o BC, pelo visto, preferiu não demonstrar nenhum acréscimo de preocupação em relação ao tema fiscal.

Assim, repetiu na ata de setembro a formulação protocolar de outras atas, de que "alterações de caráter permanente no processo de ajuste das contas públicas podem elevar a taxa de juros estrutural da economia".

Em relação a corte adicional da Selic, a permanência dessa possibilidade com "espaço pequeno" e "gradualismo adicional" combina-se com a assimetria da prescrição futura de não elevar a Selic (mantidas as condições mencionadas) para completar o plano de jogo do Copom, reforçado pela ata.

Por um lado, o BC mostrou incerteza quanto à recuperação econômica, preocupado com o fim dos auxílios emergenciais a partir do final do ano - o que poderia sugerir algum novo pequeno corte da Selic à frente.

Por outro, o Copom voltou a repisar na ata seu desconforto em continuar a reduzir a Selic rumo a níveis próximos a zero. Tanto por risco de instabilidade nos preço de ativos (associada a incertezas fiscais) quanto por problemas em mercados e setores, com "potencial impacto sobre a intermediação financeira (e aqui a volatilidade do preço de ativos também atrapalha)".

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Em resumo, juro muito próximo de zero pode trazer perturbações numa economia que viveu décadas com taxas muito elevadas, na visão do Copom.

Essa seria uma razão para achar que a possibilidade não descartada de mais um pequeno ajuste para baixo da Selic é difícil de se concretizar.

Outras razões na mesma direção - como um possível aumento do temor do BC em relação à questão fiscal, ou o compartilhamento com alguns analistas da preocupação propriamente inflacionária com a alta da inflação implícita na comparação de títulos pós e prefixados - não constam da ata.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 22/9/2020, terça-feira.

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Opinião por Fernando Dantas
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