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Economia e políticas públicas

Opinião|Biden reinventa a centro-esquerda

No seu discurso ao Congresso, em que fala dos 100 primeiros dias e planos para o mandato, presidente norte-americano deixa claro que "terceira via", a tentativa de combinar socialdemocracia e economia liberal, de Clinton, Blair e Obama, é coisa do passado.

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Foto do author Fernando Dantas
Atualização:

O discurso do presidente americano, Joe Biden, para o Congresso, realizado ontem à noite, busca redefinir o que significa ser de centro-esquerda no mundo contemporâneo. A "terceira via", a tentativa de combinar social-democracia com liberalismo econômico, passa longe da mensagem de Biden aos 100 dias da sua administração.

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Biden, naturalmente, começou seu discurso com uma retrospectiva dos sucessos do início da sua gestão, como a espetacular campanha de vacinação contra a Covid da população americana.

Em termos mais ideológicos, o presidente, que mencionou a China como competidora várias vezes no pronunciamento, enfatizou muito o papel do Estado no desenvolvimento, justamente a característica que distingue o rival asiático.

Ao se referir ao "American Jobs Plan", o maciço plano de US$ 2,3 trilhões de investimentos que se segue ao "American Rescue Plan" (de US$ 1,9 trilhão, e voltado especificamente à superação da pandemia), Biden declarou que "esses são investimentos que fazemos juntos, como um só país, e que somente o governo poder fazer".

Biden lembrou que a agência governamental de pesquisa militar esteve por trás de projetos que levariam mais tarde à criação da internet e do GPS. E disse que gostaria de ver uma agência de pesquisa similar na área de saúde, para pavimentar avanços em relação a doenças como Alzheimer, diabete e câncer.

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O American Jobs Plan prevê um upgrade generalizado na infraestrutura de transportes, a troca de todas as canalizações com chumbo dos Estados Unidos, a montagem de uma nova rede elétrica, a extensão da banda larga de alta velocidade para 100% dos americanos, a construção de edifícios inteligentes, a reforma de casas, prédios comerciais, escolas, hospitais e creches, a instalação de estações de carga para carros elétricos, a produção de turbinas para energia eólica etc.

Segundo Biden, o plano criará milhões de empregos com bons salários, suficientes para se criar uma família. O presidente frisou que esses postos de trabalho são para o homem comum, e que 90% deles não exigem diploma de ensino superior.

Em um "chega pra lá" no capitalismo financeiro ao qual se associaram presidentes democratas antes dele, como Bill Clinton e até Barack Obama, de quem foi vice, Biden disse que Wall Street não construiu os Estados Unidos, mas os sindicatos e a classe média construíram.

A ênfase no sindicalismo e na legislação trabalhista como ferramentas para reduzir as desigualdades é outra característica que distingue a doutrina econômico-política de Biden da terceira via de Clinton e Tony Blair, ex-primeiro ministro britânico.

Assim, em seu discurso, o presidente americano defendeu um projeto de lei para reforçar o direito à sindicalização e o salário mínimo nacional de US$ 15 por hora.

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A novidade do discurso foi o lançamento do American Families Plan, que estende a escolarização obrigatória nos Estados Unidos de 12 para 16 anos - incluindo dois anos de pré-escola para crianças de 3 e 4 anos e dois anos de faculdade comunitária gratuita.

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O plano das famílias americanas cria uma série de subsídios a pais de família, como auxílio doença e um crédito tributário de US$ 3 mil a USS 3,6 mil por ano por filho.

Na parte da tributação, Biden está mandando para o espaço toda a narrativa de que desonerar empresas e altas rendas é bom para o PIB, e focando justamente nos mais ricos para aumentar a arrecadação.

A engenharia tributária das grandes empresas e multinacionais, muitas vezes via paraísos fiscais, está sendo atacada frontalmente. E os americanos no grupo do 1% mais rico, que ganham US$ 400 mil ou mais por ano, terão que pagar uma alíquota máxima de imposto de renda de 39,6%. Mecanismos de evasão de imposto de renda de pessoa física dos muitos ricos também serão fechados.

É certo que políticos socialdemocratas do mundo todo, incluindo o Brasil, olharão para o novo presidente norte-americano como uma espécie de farol ideológico sobre a direção que a centroesquerda deve tomar no século XXI.

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Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 29/4/2021, quinta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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