A escolha por Jair Bolsonaro de Augusto Aras para chefiar a Procuradoria-Geral da República (PGR) foi talvez o momento mais delicado até agora do presidente com o núcleo duro da sua base de apoio social.
Aras é visto como um recém e duvidosamente convertido esquerdista pelos eleitores que têm o antipetismo e a fé fervorosa no caráter purificador da Lava-Jato como eixos basilares do seu posicionamento político.
Nas redes sociais, essa turma não fez por menos, e deixou claro o seu desapontamento com a escolha do presidente.
O momento é delicado. Desde o início do seu tumultuado mandato, Bolsonaro perdeu muita popularidade. Recentemente, sua rejeição deu um salto, consolidando-se não muito longe de 40% do eleitorado, nas últimas pesquisas.
Por outro lado, nota-se uma certa resistência de cerca de 30% do eleitorado que considera o presidente ótimo e bom, e outros 30% que o classificam como regular. É essa a linha de defesa de Bolsonaro contra a ira crescente de uma parte grande (porém não majoritária) Da população contra o seu governo.
O presidente nada faz para cativar os eleitores fora da sua base mais fiel de apoio, mas esta tem merecido todos os mimos - que se expressam na forma de ataques virulentos e grosseiros aos inimigos reais e imaginários da tropa bolsonarista.
Dessa forma, dar uma mancada junto a esse eleitorado cativo, como parece ser a nomeação de Aras, parece um jogo arriscado.
Analistas políticos ouvidos pela coluna, entretanto, não veem maiores riscos no curto prazo. A médio prazo a história é outra: com seu estilo truculento, Bolsonaro vai colecionando inimigos, que em algum momento de fraqueza presidencial podem tentar dar o troco.
Ricardo Ribeiro, analista da consultoria MCM, vê um bom momento na governabilidade econômica, ilustrado pela forma como rapidamente se produziu um alinhamento entre Bolsonaro, Paulo Guedes e Rodrigo Maia contrário à flexibilização do teto de gastos, quando esta questão surgiu recentemente.
Quanto ao efeito da nomeação de Aras junto ao eleitorado bolsonarista, ele não crê que será significativo:
"Deve ficar mais no bochincho de rede social, não creio que fará diferença expressiva em termos de pesquisas de popularidade".
Ribeiro nota que Aras deve assumir a PGR mostrando posições bem ao gosto conservador do eleitorado do presidente, o que pode amenizar a rejeição inicial.
Rafael Cortez, analista político da consultoria Tendências, frisa que no atual modelo de "governabilidade parlamentar", a popularidade presidencial nem é tão decisiva no curto prazo, e o maior efeito do ruído constante provocado pelas ações presidenciais se dá na percepção de risco, o que pesa no cenário econômico.
Os dois especialistas veem no comportamento de Bolsonaro elementos de uma disputa de poder no interior da centro-direita e direita. O presidente aparentemente busca ser a única alternativa nesse campo para as próximas eleições presidenciais, num jogo complexo de ataques e críticas a potenciais candidatos que hoje estão fora do governo, como Doria e Huck, e de controle e contenção de Moro, seu ministro da Justiça.
A avaliação superior da população sobre Moro do que sobre Bolsonaro, aponta Cortez, faz dessa relação um ponto extremamente delicado da estratégia política do presidente - que não pode prescindir do seu ministro da Justiça, mas ao mesmo tempo o vê como potencial competidor.
Como pano de fundo para esse xadrez político, com momentos de MMA, há a economia, que teima em se recuperar de forma aflitivamente lenta, e dependente do instável humor dos mercados globais.
A sensação é que Bolsonaro consegue empurrar com a barriga até 2020, se o cenário externo deixar, o extravagante circo do seu governo. Ano que vem, entretanto, o benefício da dúvida, tanto do eleito fiel quanto do menos fervoroso, deve cair rapidamente. Resultados serão cobrados na economia e desapontamentos na política calarão mais fundo. O relógio está correndo.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 6/9/19, sexta-feira.