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Economia e políticas públicas

Opinião|Bolsonaro pisca para o Congresso

O presidente dá sinais de que vai aderir à prática da troca de votos no Congresso por nomeações, típicas do presidencialismo de coalizão por ele tão vilipendiado. É um indício de pragmatismo, apesar de Bolsonaro não dar mostras de que vai atenuar o discurso radical.

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Atualização:

O governo de Jair Bolsonaro dá mostras que começa a rever sua posição inicial de rechaço completo ao presidencialismo de coalizão.

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Evidentemente, o discurso de criminalização da política - tanto a efetivamente criminosa como aquela que se dá com trocas dentro da legalidade e faz parte de qualquer democracia do mundo - deve ser mantido, porque faz parte da narrativa fantasiosa, em relação ao próprio histórico da família Bolsonaro, que agrada à base mais fiel do presidente.

No entanto, como revela a manchete de domingo do Estadão, Bolsonaro foi convencido por seus auxiliares políticos que é preciso usar nomeações para garantir uma base no Congresso que dê respaldo às iniciativas do governo.

Segundo a reportagem de Felipe Frazão e Renato Onofre, por não abrir mão de comandar os ministérios, a negociação será de cargos federais nos Estados.

Se essa intenção prosperar, será uma mudança e tanto no figurino do governo Bolsonaro. Será um aspecto, pelo menos, em que o desejado percurso do presidente em direção à centro-direita será realizado.

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Em outras dimensões, contudo, a manutenção do discurso político feroz e polarizador índia que não há, por enquanto, nenhum sinal de arrefecimento (o discurso na ONU hoje, realizado depois da redação desta coluna, é um exemplo). Mas jogar bola com o Congresso poderia ser um primeiro indício de moderação.

Há razões mais e menos óbvias para essa possível mudança de Bolsonaro na sua relação com o Congresso.

A mais evidente de todas é que de fato ele se arrisca a virar uma rainha da Inglaterra se recusar completamente a fazer o jogo da política tradicional.

A reforma da Previdência passou na Câmara e deve emplacar também, com algumas mudanças, no Senado - isto é verdade. Mas está claro também que esse fato se deve ao protagonismo assumido pelo Congresso na agenda econômica, que já vem sendo chamado de "parlamentarismo branco".

Em recentes declarações à imprensa, o presidente do Senado, David Alcolumbre, reforçou a ideia de que o Congresso assumiu a dianteira no processo legislativo sobre política econômica, no vácuo criado pela ausência de ação mais efetiva do Executivo.

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Não é uma situação totalmente cômoda para Bolsonaro, porque Alcolumbre e Rodrigo Maia, presidente da Câmara, não estão dispostos a empreender o mesmo esforço de articulação parlamentar para a agenda de valores e costumes de Bolsonaro - como a legislação referente a armas, por exemplo. Assim, o presidente terá grande dificuldades de entregar conquistas nas bandeiras mais caras ao seu eleitorado mais fiel se não se entender com o Congresso.

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Uma razão menos óbvia para a possível mudança da relação de Bolsonaro com o Congresso é que o presidente deve estar percebendo uma rearticulação das forças de centro.

A estridência radical de Bolsonaro, seus filhos, ideólogos e militantes das redes sociais desde o início do governo não parece ter sido boa para os índices de popularidade do presidente.

A sua situação hoje em termos de apoio popular ainda não é desastrosa, mas se aproximou perigosamente do ponto em que pode causar séria perda de governabilidade. É duvidoso se candidatos a prefeito e vereador no ano que vem vão querer exibir o apoio explícito do presidente em suas campanhas.

Por outro lado, há uma evidente tentativa de reconstruir uma alternativa política de centro, que passa pelas movimentações de uma constelação de personagens - não necessariamente afinados - como João Doria, Luciano Huck, Paulo Hartung, Arminio Fraga e um punhado de jovens parlamentares oriundos de programas de formação de políticos, como Tabata Amaral.

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Depois da radicalização do discurso de esquerda do período final do governo petista os brasileiros desembarcaram diretamente na radicalização de direita. Não é descabido pensar que pode haver uma certa exaustão em relação à política de polarização máxima.

Bolsonaro não deve abandonar o campo entre a direita e a extrema-direita nem a estratégia agressiva, porque é desta forma que ele se criou politicamente e é o que sabe fazer.

Mas é possível que o presidente e o seu entorno, enxergando os primeiros sinais de que economia pode se aprumar, também queiram evitar a imagem de um governo puramente de exaltação ideológica, sem nenhuma capacidade prática de ditar os rumos da Nação - o que seria desmoralizante para o campo político que Bolsonaro representa.

Assim, doses homeopáticas de entendimento com a centro-direita do Congresso, que comunga de boa parte do ideário econômico de Paulo Guedes, podem ser uma fórmula para manter (ou até recuperar) as rédeas do processo político, sem comprometer a imagem radical que agrada ao seu eleitorado mais fiel.

Trata-se, entretanto, de um equilíbrio delicado, com risco razoável de desandar. Se houver a percepção de que Bolsonaro se rendeu à "velha política", a popularidade pode piorar ainda mais. De qualquer forma, é um passo indispensável se o presidente quiser de fato comandar a pauta de transformações do País.

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Fernando Dantas é colunista do Broadcast

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 23/09/19, segunda-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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