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Economia e políticas públicas

Opinião|Bons números fiscais não eliminam riscos

Dados das contas públicas de agosto vieram bastante positivos, mas fatores que ajudam agora podem não estar presentes em 2022, e o risco político de irresponsabilidade fiscal aumenta.

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Atualização:

Os resultados  fiscais divulgados esta semana foram vistosos, no bom sentido. Ontem (28/9, 3ª), soube-se que o governo central teve um déficit primário de R$ 9,88 bilhões em agosto, próximo do piso das estimativas do Projeções Broadcast, de -R$ 9,7 bilhões, e bem melhor que a mediana, de -R$ 15,45 bilhões.

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Hoje (29/9, 4ª), pelos números do Banco Central (BC), registrou-se que o setor público consolidado teve superávit primário de R$ 16,7 bilhões em agosto, composto por déficit de R$ 11,1 bilhões do governo central (diferenças metodológicas explicam por que não é exatamente igual ao número divulgado ontem pelo Tesouro), superávit de R$ 27,3 bilhões dos Estados e municípios, e superávit de R$ 484 milhões nas estatais.

O superávit dos entes subnacionais foi o recorde da série histórica, iniciada em 1991, para qualquer mês do ano. Já o resultado do setor público consolidado foi o maior (nominalmente) para um mês de agosto  da série.

Os números fiscais do BC vieram bem melhores do que as expectativas de mercado.

Em relação a um dos indicadores fiscais mais visados, a dívida bruta do governo geral (DBGG) como proporção do PIB, Fernando Montero, economista-chefe da corretora Tullett Prebon Brasil, teve uma surpresa positiva com o número de agosto, de nova queda para 82,7% do PIB.

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O analista previra na segunda-feira, acertadamente, a revisão da DGBB/PIB de julho de 83,8% para 83,1%. Mas, a partir daí, ele esperava uma alta para 83,6% em agosto.

Explicando parcialmente a diferença entre o resultado primário do setor público consolidado em agosto projetado por Montero - déficit de R$ 8 bilhões, alterado ontem para -R$ 2,8 bilhões por conta do bom resultado do governo geral divulgado pelo Tesouro - e o superávit de R$ 16,7 bilhões efetivamente ocorrido está o ingresso de R$ 15 bilhões para o governo do Rio de Janeiro no mês passado por conta da concessão da Cedae, empresa estadual de água e saneamento.

Foi essa receita não recorrente que elevou o resultado dos entes subnacionais ao recorde histórico.

Porém, mesmo desconsiderando a Cedae, Estados e municípios tiveram desempenho fiscal primário em agosto acima da previsão de +R$ 7 bilhões de Montero.

Como mencionado por Fernando Rocha, chefe do Departamento de Estatísticas do BC, em entrevista hoje, com reportagem de Eduardo Ferreira e Thais Barcellos, do Broadcast, o resultado dos subnacionais em agosto descontado da receita da Cedae foi de +R$ 12 bilhões. É um superávit bem superior aos +R$ 9,1 bilhões do mesmo indicador em agosto de 2020.

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A receita tributária está crescendo, com um salto de 18,5% no ICMS entre agosto de 2020 e 2021.

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Adicionalmente, como nota Montero, as transferências federais, em termos reais, da União para Estados e municípios entre janeiro e agosto estão em nível recorde este ano. Outro fator é a restrição de aumentos salariais em vigor.

Em termos da projeção dívida/PIB, o economista registra ainda que o PIB nominal em agosto, o denominador, veio um pouco mais alto do que o previsto.

A nota negativa da divulgação do BC, finalmente, foi a alta - próxima da projeção de Montero - dos juros nominais em agosto para R$ 46,4 bilhões. O resultado levou a conta em 12 meses a saltar de 3,95% do PIB até julho para 4,05% até agosto, quando houve pressão geral dos swaps cambiais, títulos prefixados, Selic e inflação.

De qualquer forma, o quadro fiscal em termos gerais, especialmente em relação às medidas de endividamento público, parece melhor do que as previsões.

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Entretanto, na visão de um gestor de recursos que acompanha muito de perto as contas públicas, esses bons resultados são até perigosos, por gerarem complacência num momento de grandes riscos fiscais.

Ele nota, em primeiro lugar, que dois importantes fatores que ajudaram as contas públicas este ano provavelmente estarão ausentes em 2022.

O primeiro é a inflação muito alta, que eleva a arrecadação, enquanto os reajustes do setor público se vinculam à inflação mais baixa de 2020.

O segundo é a elevação dos termos de troca do Brasil, na esteira da fortíssima alta das commodities. Do agronegócio à mineração, essa subida de preços internacionais turbina a lucratividade das empresas, refletindo-se nos impostos sobre a renda, além do efeito riqueza que se transmite para outras fontes tributárias.

O problema é que, até aqui, tudo indica que a inflação de 2022, por mais alta que seja, será inferior à deste ano, levando a um efeito inverso sobre a relação entre arrecadação e gastos. E a elevação dos termos de troca já entrou em modo de reversão - com a exceção de petróleo e gás - por conta das preocupações com o crescimento da China.

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Mas o pior risco fiscal, para o analista, é político. Jair Bolsonaro é um presidente cada vez menos popular que deve tentar a reeleição no ano que vem dispondo ainda da caneta presidencial.

Numa situação cada vez mais desesperadora, a tentação de populismo fiscal cresce (não vai dar certo, prevê o analista, notando que a alta adicional de inflação que adviria dessa aposta é certeza de derrota para um presidente no Brasil tentando se reeleger).

O gestor está particularmente impressionado com o grau de irresponsabilidade dos últimos itens a entrarem na pautado Congresso, seja como projetos em tramitação ou como "balões de ensaio".

Ele menciona a ideia de estender o auxílio-emergencial para 2022, ao mesmo tempo em que o projeto de reforma do Imposto de Renda aponta perda de arrecadação de R$ 40 bilhões na versão que saiu da Câmara (e a coisa pode piorar no Senado).

Também impressiona que a equipe econômica comandada por Paulo Guedes - em tese liberal e ortodoxa - venha se mostrando complacente com a irresponsabilidade fiscal (como no caso da reforma do IR) e pareça mais apegada ao cargo do que a um mínimo de princípios.

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Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 29/9/2021, quarta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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