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Economia e políticas públicas

Opinião|Brasil menos mal na Covid (em termos relativos)

Estudo que estima excesso de mortes no mundo todo em 2020 e 2021 mostra que mortalidade da Covid no Brasil, no panorama global e da América Latina, foi bem melhor em termos relativos do que indicam os dados oficiais.

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Atualização:

Em 2020 e 2021, a Covid-19 matou 18,2 milhões de pessoas no mundo e 792 mil no Brasil, segundo o estudo "Estimando o excesso de mortalidade devido à pandemia de Covid-19: uma análise sistemática da mortalidade relacionada à Covid-19, 2020-21", trabalho de dezenas de colaboradores copatrocinado pela Bill e Melinda Gates Foundation.

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As mortes por 100 mil habitantes/ano do Brasil foram de 186, 50% acima do mesmo indicador global, de 120,3. Todas as taxas de mortalidade mencionadas no artigo são por habitante/ano.

O Brasil aparece muito melhor em termos relativos na pandemia no retrato feito pelo trabalho do que nos números oficiais de mortes divulgadas como tendo sido causadas pela Covid.

No mundo, a compilação de números oficiais dos países aponta 5,94 milhões de mortes por Covid em 2020 e 2021, o que dá uma mortalidade por 100 mil habitantes de 39,2. No Brasil, as mortes oficiais foram de 619 mil, com mortalidade de 146 por 100 mil.

Ou seja, em termos oficiais, a mortalidade brasileira pela Covid é 272% (e não 50%, como nos números do trabalho) maior que a mundial.

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A razão para essa discrepância é simples. O trabalho utilizou diversas bases de dados e métodos estatísticos sofisticados para calcular o excesso de mortalidade em 2020 e 2021 em 191 países e territórios, e 252 unidades subnacionais em países selecionados (incluindo o Brasil) de 1º de janeiro de 2000 a 31 de dezembro de 2021.

A suposição dos pesquisadores é que o excesso de mortes em relação à tendência histórica em 2020-21 no mundo, nos países e em unidades subnacionais, deveu-se à pandemia.

O que faz o resultado relativo brasileiro melhorar é que a diferença entre os números oficiais e o excesso de mortes na média do mundo é muito maior do que no Brasil.

Os autores calculam a razão entre o excesso de mortes calculado por eles e as mortes oficiais. No caso do mundo, esse número é 3,07, isto é, morreram três vezes mais pessoas pela pandemia do que o dado oficial. No caso do Brasil, o mesmo indicador é de 1,28, ou seja, 28% a mais de mortes do que a estatística oficial.

Todos os números do trabalho também são dados como intervalos, aos quais se atribui probabilidade de 95% de estarem corretos. Assim, o excesso de mortes no mundo em 2020-21 está entre 113 e 129,3; e, no Brasil, entre 172,2 e 199,8. Por questões práticas, sempre serão citados os números centrais (sem os intervalos) nesta coluna.

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No contexto latino-americano, o Brasil aparece como um país com resultado médio em termos de mortalidade por Covid. Tomando os números de excesso de mortalidade do trabalho, o índice demortes por 100 mil pessoas do México, por exemplo, é de 325,1, 74% acima do brasileiro.

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Países latino-americanos com mais mortalidade por Covid do que o Brasil (sem contar os muito pequenos) são Colômbia (201,2), El Salvador (226,8), Venezuela (274,4,), Nicarágua (274,4), Honduras (297,1), México (325,1), Equador (333,4), Peru (528,6) e Bolívia (734,9).

Nota-se que os três últimos, países andinos, foram fortemente afetados, com uma média de 511,9 mortes por 100 mil habitantes, ou 325% acima da média mundial.

Países latino-americanos com menos mortalidade que o Brasil foram Guatemala (175,7), Argentina (166,8), Paraguai (159,2), Uruguai (155,4), Panamá (131,5), Cuba (126,8), Chile (100,8) e Costa Rica (70).

Em termos de comparações globais, os próprios autores chamam a atenção para o fato de que a mortalidade (calculada pelo excesso de mortes) por Covid do Brasil é  muito próxima do mesmo indicador para os Estados Unidos, de 179,3 por 100 mil habitantes.

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No mundo rico, o excesso de mortes por 100 mil habitantes em 2020 e 2021 foi de 125,8, não muito diferente daquele do mundo como um todo (120,3).

Mas a composição no mundo avançado é muito diversa. Austrália e Nova Zelândia, na verdade, tiveram excesso de mortes "negativo", isto é, menos mortes em 2020-21 do que a tendência histórica. Nos avançados da Ásia-Pacífico (Japão, Cingapura, Coreia do Sul e Brunei), o indicador foi de apenas 30,9. Na América do Norte, incluindo o Canadá (60,5), o número foi de 167,1. Na Europa ocidental, de 140 (124,2 na França, 120,5 na Alemanha, 227,4 na Itália, 126,8 no Reino Unido, 186,7 na Espanha e 202,2 em Portugal - note-se que Itália, Espanha e Portugal tem indicador pior que o do Brasil).

As regiões da Europa Central (315,7) e do Leste (345,2) foram particularmente mal, com destaques negativos como Bulgária (647,3), Macedônia do Norte (583,6), Belarus (483,1) e Lituânia (385). Na Rússia, o índice foi de 374,6, duas vezes pior do que o brasileiro. A Ucrânia, aliás, teve índice de 221,7.

O excesso de mortes por 100 mil habitantes no Norte da África e Oriente Médio foi de 144,7; no sul da Ásia,de 151,7, influenciado pela Índia (152,5); na Ásia Oriental, de apenas 0,5 (China com 0,6, Taiwan com -5,9 e Coreia do Norte com 0,6); e na África sub-Saariana, de 101,6, melhor do que o de muitas regiões do mundo mas, ainda assim, muito maior do que o número oficial na região de apenas 7,2 mortes por Covid por 100 mil.

A parte meridional da África foi muito mal em excesso de mortalidade: África do Sul com 293,2, Zimbábue com 283,6, Namíbia com 395,6, Lesoto com 562,9, Eswatini (antiga Suazilândia) com 634,9 e Botswana com 399,5.

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Em termos dos Estados brasileiros, o pior índice foi o de Rondônia (269) e o melhor, o de Alagoas, de 97,8. Entre os principais Estados, São Paulo ficou com 202,9, Rio de Janeiro com 228,4, Minas Gerais com 175,1, Bahia com 145,1 e Rio Grande do Sul com 170,2.

No Amazonas, onde os momentos mais dramáticos da pandemia no Brasil ocorreram, houve excesso de mortes de 246,1 por 100 mil em 2020 e 2021, segundo as estimativas do trabalho.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 11/4/2022, segunda-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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