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Economia e políticas públicas

Opinião|Brasil, China e a armadilha da renda média

A China vê o Brasil e boa parte da América Latina como exemplos de países que estão tendo muito dificuldade de superar a chamada "armadilha da renda média", e as autoridades chinesas preocupam-se em não seguir o mesmo caminho. Por outro lado, os chineses são muito diplomáticos, e, na abertura do seminário "Armadilha da Renda Média/Visões do Brasil e da China", na sexta-feira da semana passada (22/11), no Rio, eles abordaram a questão apenas de forma indireta.

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Atualização:

O evento foi uma realização conjunta do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV) e da Academia de Ciências Sociais da China (CASS, a sigla em inglês pela qual a instituição é conhecida internacionalmente). O Ibre e a CASS estão envolvidos há cerca de um ano e meio num programa de cooperação, que resultou na publicação em mandarim e português de um livro justamente sobre a armadilha da renda média, que está sendo lançado hoje no Brasil. O livro é composto de artigos de pesquisadores de ambas as instituições.

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A armadilha da renda média é o fenômeno pelo qual muitos países conseguem transitar entre a baixa e a média renda per capita, mas empacam na hora de rumar para o nível dos países desenvolvidos.

Durante a abertura do seminário, diversas autoridades chinesas referiram-se ao Brasil como um país que estava em vias de transitar para a renda alta, e com o qual a China poderia aprender. Ficou claro para a plateia, no entanto, que se tratava da tradicional deferência oriental. Pesquisadores brasileiros com passagens mais longas pela China atestam que a visão real é bem diferente, e que os chineses temem a "latinização" do seu milagre econômico.

De forma indireta, essa preocupação transpareceu na apresentação no seminário de Zheng Bingwen, diretor do Instituto de Estudos Latino-americanos da CASS.

Bingwen notou que a América Latina e o Caribe são talvez a região do mundo com a maior concentração de países de renda média. Com exceção de uma ou outra ilhota caribenha, de renda alta (como Bahamas), e um país de renda baixa (Haiti), todos os outros países têm renda média (grupo que se divide entre baixa renda média, média renda média e alta renda média).

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O acadêmico chinês não fez a ligação direta entre aquela concentração latino-americana e a armadilha da renda média, mas deixou-a implícita. Ele notou que a região se caracteriza também pelo longo tempo de duração da etapa de renda média das suas economias, como no caso argentino, em que já se vão mais de 50 anos.

Bingwen observou ainda que os países colonizadores, Portugal e Espanha, encontravam-se, logo no início do pós-guerra, num nível de renda inferior a algumas nações latino-americanas, como a própria Argentina. E o acadêmico considera surpreendente que, em seguida, os colonizadores tenham reagido e galgado ao nível da renda alta, enquanto a ex-colônias ficaram presas à armadilha da renda média.

Nas diversas apresentações dos acadêmicos chineses, ficou claro que o temor da armadilha da renda média é uma das razões pelas quais se deve levar a sério o empenho chinês em realizar as reformas anunciadas depois da recente Terceira Sessão Plenária do 18º Comitê Central do Partido Comunista da China.

Há uma forte consciência no país de que o modelo de crescimento baseado na migração de trabalhadores do campo para postos de trabalho mais produtivos na indústria, nos níveis maciços de exportação líquida e de investimento e na absorção de tecnologia estrangeira chegou aos seus limites. Para superar a armadilha da renda média, a China vai ter que aprender a inovar, melhorar a eficiência da economia (o crescimento até agora foi muito baseado em uso intenso de fatores de produção) e estimular o consumo doméstico.

Outro elemento do novo modelo de desenvolvimento é a ampliação da seguridade social, para lidar com o risco de instabilidade social provocado pelo aumento da desigualdade. No discurso de abertura do seminário, Marcelo Neri, ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) e presidente do Ipea, notou que, apesar de o Brasil ainda ser mais desigual que a China, a desigualdade vem caindo nos últimos dez anos entre os brasileiros, e aumentando entre os chineses.

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Segundo Zhao Shengxuan, vice-presidente da CASS, também presente ao encontro, turbulências políticas e sociais "aumentam as chances de se cair na armadilha da renda média".

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Nesse ponto, o Brasil tem o que oferecer à China, em termos de exemplos bem sucedidos de seguridade social, como observou Luiz Guilherme Schymura, diretor do Ibre. Não é muito provável que o governo chinês se interesse por uma Previdência tão cara quanto a brasileira, mas o programa Bolsa-Família, que consome apenas 0,5% do PIB e foi o principal fator de redução de pobreza no Brasil nos últimos dez anos, é um instrumento que pode atrair a atenção da nação asiática.

Fernando Dantas é jornalista da Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Este artigo foi publicado originalmente na AE-News/Broadcast

Opinião por Fernando Dantas
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