Foto do(a) blog

Economia e políticas públicas

Opinião|Como liberar compulsório pode ajudar

BC toma duas medidas ligadas aos depósitos compulsório, com potencial conjunto de liberar R$ 138 bilhões para os bancos incrementarem as operações de crédito. Será que vai funcionar?

PUBLICIDADE

Foto do author Fernando Dantas
Atualização:

As medidas de liberação de compulsório pelo Banco Central (BC) fazem parte do arsenal de providências para fazer o crédito fluir na economia, aumentando a potência da política monetária.

PUBLICIDADE

Uma fonte do mercado bancário explica que, com a implementação do Acordo de Basileia 3, os bancos foram obrigados a deter um grau maior de liquidez em seus ativos. De forma paralela e até superposta, os compulsórios no Brasil são historicamente muito elevados e têm um papel prudencial, servindo como um colchão para irrigar o sistema em caso de crises.

Adicionalmente, a grande queda dos juros recente levou a profunda transformação do crédito no Brasil.Na renda fixa, houve migração de ativos mais seguros e líquidos, como títulos do governo, para aplicações de maior risco, como crédito corporativo.

No final do ano passado, houve um movimento de reprecificação de debêntures, LCIs, LCAs e outros tipos de título. A remuneração pelo risco, fixada como um porcentual do CDI, vinha caindo à medida que a rentabilidade do CDI diminuía, acompanhando a curva de juros. Houve uma correção para cima da remuneração, muitas vezes com a mudança da forma de expressar a rentabilidade: em vez de porcentual do CDI, CDI mais um porcentual.

Para a fonte acima, Basileia 3, a migração de ativos líquidos para menos líquidos e a reprecificação e expansão do crédito combinaram-se para apertar a liquidez, o que tende a elevar os spreads bancários.

Publicidade

Por outro lado, os altos compulsórios brasileiros e os requisitos de liquidez de Basileia 3 representam certa superposição. Como diz a fonte, "enquanto o mercado ficava mais apertado, havia liquidez dentro dos bancos".

As medidas de liberação de compulsório do BC, portanto, na sua opinião, são positivas e devem contribuir para um melhor funcionamento da transmissão da política monetária.

Na análise de Bráulio Borges, economista-chefe da LCA e pesquisador associado do Ibre/FGV, a liquidez adicional de R$ 49 bilhões, contemplada pela redução da alíquota do compulsório sobre recursos a prazo de 31% para 25%, pode provocar dois tipos de reação no mercado financeiro.

A primeira, desejável, seria a queda do spread bancário já que, como ele explica, "o compulsório parado no BC, mesmo que parcialmente remunerado, tem um custo de oportunidade comparado a um empréstimo". Em suma, mais recursos sendo injetados em crédito poderiam fazer cair o custo dos empréstimos.

Mas é possível também, segundo Borges, que os bancos mantenham esses recursos no interbancário, fazendo a taxa tender a cair abaixo da Selic, e obrigando o BC a enxugar a liquidez para manter a meta da sua taxa básica. Para isso, a autoridade monetária teria que expandir operações compromissadas, o que traria até o problema adicional de aumentar a dívida pública (a proposta, que se arrasta, da criação do depósito voluntário remunerado como alternativa às operações compromissadas evitaria este problema, mas é outra história).

Publicidade

O economista nota que o efeito inicial dos programas de afrouxamento quantitativo (compra de títulos de longo prazo pelo banco central) na zona do euro - ele vê um paralelismo entre este instrumento e a liberação de compulsórios, como formas não-convencionais de política monetária - não levou à expansão do crédito, com os bancos preferindo deixar o dinheiro parado no BCE.

PUBLICIDADE

No caso da segunda medida anunciada hoje, que é o aumento da parcela de recolhimentos compulsórios que os bancos podem contabilizar para efeitos do seu indicador de liquidez ligado aos acordos de Basileia, Borges observa que é uma medida que permite aos bancos se alavancarem mais - mas isto não quer dizer que eles necessariamente farão isto (a parcela de recursos envolvida nessa segunda medida, segundo a estimativa do BC, é de R$ 89 bilhões).

Borges aponta que os bancos brasileiros em geral estão hoje menos alavancados que o limite máximo imposto pelo BC, que é mais apertado que o de Basileia, e que isto ocorre por "decisão privada dos bancos".

O economista, entretanto, concorda que as medidas têm um caráter correto do ponto de vista estrutural, já que há efetivamente uma sobreposição entre as exigências de liquidez de Basileia 3 e os elevados compulsórios no Brasil.

Mas ele acrescenta que, apesar da ênfase da autoridade monetária nesse lado mais estrutural, ele vê também um claro objetivo conjuntural de introduzir mais estímulo monetário de forma não convencional para tentar fazer a economia ganhar ritmo. Pode-se chamar isso de aumentar a potência da política monetária, o que é uma agenda estrutural, mas também conjuntural - porque neste momento a economia brasileira passa por uma grave dificuldade em se reaquecer.

Publicidade

Borges tem dúvidas se esse "estímulo não convencional" vai funcionar ou não, ou sobre até que ponto vai funcionar, e diz que averiguar isto provavelmente será um dos focos do mercado e da autoridade monetária nos meses à frente.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 20/2/20, quinta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.