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Economia e políticas públicas

Opinião|Como retomar o avanço social

Ricardo Paes de Barros, grande especialista na área social, e um dos maiores entusiastas dos avanços sociais da era Lula, mostra por que a receita agora tem que mudar e retomada da queda da pobreza e da desigualdade vai exigir que o Brasil melhore a sua produtividade.

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Foto do author Fernando Dantas
Atualização:

Em 2010, o pesquisador Ricardo Paes de Barros, hoje economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper, se dizia perplexo com a política social do governo Lula e seus ótimos resultados.

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Em entrevista concedida a mim, e publicada no Aliás, caderno de fim de semana do Estadão, PB, como é conhecido, impressionado com os resultados espetaculares da política social em termos de mudanças de nível da pobreza e da desigualdade, se confessava perturbado pelo fato de que Lula tocou uma enorme variedade de programas, dos mais aos menos eficientes, com muito pouca avaliação, e a coisa parecia estar funcionando.

"O pior - ou melhor -, porém, é que essa receita confusa, surpreendentemente, está dando certo; talvez o sucesso disso tudo se deva ao fato de que não fomos seletivos", ele chegou a dizer, numa declaração surpreendente para um dos mais competentes defensores da racionalidade na política social.

PB ainda hoje é um arauto da grande melhora social no Brasil concentrada na década passada, como fica claro na apresentação que deu base à recente aula magna do pesquisador em evento organizado pelo Banco Mundial. Hoje, porém, ele parece ter a convicção de que a continuidade do grande avanço social, interrompido pela crise, não ocorrerá mais pela combinação de ampliação de transferências sociais e aumentos reais de salário acima do crescimento da produtividade, dois fatores importantes na redução da pobreza e da desigualdade na era Lula.

Sempre é impressionante entrar em contato com o didático mapeamento realizado por PB sobre o progresso social no Brasil. Na apresentação (um documento PDF), ele mostra como a população vivendo em extrema pobreza caiu de um pico de aproximadamente 23% em 1993 para menos de 5% em 2014. Já a proporção de pobres, que ainda era de quase 40% em 2003, reduziu-se para 15,3% em 2014, subindo para 17,1% em 2015, como efeito da crise.

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A melhora na distribuição de renda fica evidente nos dados que revelam que, de 2001 a 2015, o crescimento anual da renda do trabalho dos 20% mais pobres ficou entre 4% e 4,5%, enquanto o ritmo dos 20% mais ricos foi inferior a 1%. Seus números também mostram a fenomenal melhora do mercado de trabalho brasileiro entre 2003 e 2014, mas aí, como é bem sabido, o retrocesso, especialmente na ocupação e nível de formalização, foi muito intenso com a grande recessão de meados de 2014 ao final de 2016.

PB, entretanto, olha o futuro e sabe que a "receita confusa que deu certo" da era Lula não é mais replicável. De agora em diante, retomar o avanço social vai exigir racionalidade na política social propriamente dita e aumento da produtividade do trabalho.

O pesquisador vem dando bastante foco à questão da produtividade, e levantando algumas questões e dúvidas cujo entendimento é fundamental para dar conta deste desafio.

Uma das principais é um certo enigma: por que o aumento da escolaridade no Brasil não levou ao aumento da produtividade, como ocorre em outros países?

Seus números mostram que há um grupo de países, do qual o Chile faz parte, nos quais, nos últimos 30 anos, o aumento em média de um ano da escolaridade da força de trabalho correspondeu a uma alta de US$ 3 mil do produto anual por trabalhador. Outras nações nesse grupo são França, Itália, Espanha, Grécia, Portugal, Malásia e Tailândia.

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Ele apresenta um outro grupo de países em que aquele aumento, para o mesmo indicador, foi de US$ 4 mil: China, Turquia, Singapura, Reino Unido, Israel e Polônia. No grupo de US$ 7 mil estão Japão e Coreia.

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No Brasil, assustadoramente, segundo os dados de PB, o aumento do produto anual por trabalhador para cada ano adicional de escolaridade da força do trabalho foi de zero. Em outra comparação impressionante, o pesquisador mostra que, ao longo dos últimos 25 anos, o Brasil apresentou um aumento maior de escolaridade (medida pelos anos médios de estudo da população em idade de trabalhar) maior que o de 92% dos países, mas o crescimento do PIB per capita nacional foi menor do que o de 62% dos países.

Uma das possíveis causas dessa discrepância poderia seria uma trajetória muito ruim da qualidade da educação, mas há objeções a tamanho poder explicativo desta hipótese e, na verdade, o enigma está longe de ser decifrado. É preciso investigar também se não há outros fatores que estejam represando o avanço da produtividade no Brasil, e impedindo que a melhora na escolaridade se traduza em trabalhadores mais produtivos.

Trata-se, enfim, da agenda absolutamente incontornável para todos os que aspiram à justiça social. Não é à toa que o maior entre os estudiosos da pobreza e da desigualdade no Brasil esteja pensando nisso. (fernando.dantas@estadao.com)

Fernando Dantas é colunista do Broadcast 

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Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 10/11/17, sexta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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