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Economia e políticas públicas

Opinião|Credibilidade e ajustes, do passado e do presente

Com a projetada manutenção da Selic, a taxa básica de juros, em 11% até as eleições, a maioria dos analistas antecipa um novo ciclo de elevação da taxa básica pós-eleições. A nova alta de juros faria parte do ajuste econômico que se acredita será realizado pelo governo eleito em 2015. Há dúvidas, porém - que dependem também de quem será eleito -, se o próximo governo fará uma política monetária dura o suficiente para de fato recolocar a inflação em trajetória de convergência para o centro da meta, de 4,5%.

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Atualização:

Há uma visão de que o ajuste no próximo governo, sob alguns aspectos, teria de ser mais duro do que o de 2003. Assim, apesar de a inflação de 2002 ter atingido 12,5%, ela teria sido muito ligada à disparada do câmbio. Já o IPCA de 2014, que deve encerrar o ano em torno do teto do intervalo de tolerância (6,5%), traz embutido uma inflação de serviços rodando a 9% ao ano (com baixa recorde de desemprego no mercado de trabalho) e preços administrados que exigem uma grande correção.

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Em 2003, a inflação de serviços era mais baixa e não havia represamento dos administrados como hoje. A inflação de serviços reage mais gradualmente ao aperto da política monetária, o que significa que a correção de 2015 e seu impacto no mercado de trabalho teriam que ser particularmente dolorosos. A tarefa só se complica com a forte correção prevista dos administrados.

Essa interpretação, porém, não é consensual. Há quem veja a desinflação de 2003 a 2005 como um processo dificílimo que só foi possível porque o Banco Central (BC) na época foi às últimas consequências para manter a sua credibilidade e as expectativas inflacionárias ancoradas, e teve um respaldo razoável da política fiscal.

De acordo com essa segunda leitura, outro argumento sem cabimento é o de que a alta inflação de serviços no Brasil é causada pela transição para uma estrutura social com uma grande classe média popular. Este fenômeno levaria a um aumento relativo dos serviços na cesta média de consumo, esquentando a demanda no setor terciário.

O problema, porém, é que a grande melhora social das últimas décadas não se limitou ao Brasil, mas abrangeu muitas economias emergentes. Para ficar apenas na América do Sul, por que Chile, Peru e Colômbia viveram transições sociais semelhantes à brasileira, em maior ou menor grau, e têm inflações muito mais baixas?

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No final de 2002 e início de 2003, as expectativas de inflação em 12 meses estavam bastante elevadas, acima de 13%, e recuaram gradativamente ao longo do ano. A Selic, que já vinha subindo desde outubro de 2002, chegou a um pico de 26,5% entre fevereiro e junho de 2003. O IPCA acumulado em 12 meses de fato caiu rapidamente, de um máximo de 17,24% em maio de 2003 para 5,15% um ano depois.

Em 2004, porém, o Fed (BC americano) iniciou um ciclo de alta dos Fed Funds, a taxa básica americana, o que causou estresse nos mercados internacionais, levando a uma nova rodada de desvalorização do real. O IPCA acumulado em 12 meses subiu de 5,15% em maio de 2004 para 7,6% em dezembro. A Selic, que vinha caindo, voltou a se elevar, saindo de 16% em agosto de 2004 para 17,75% em dezembro, e atingindo um pico de 19,75% em maio de 2005.

Mas talvez a cartada decisiva tenha sido dada em setembro de 2004, quando o BC, na ata do Copom, anunciou uma trajetória específica, com horizontes temporais claros, para o retorno do IPCA ao centro da meta. Assim, a meta foi ajustada para 5,1% em 2005, o que significaria combater 1/3 da inércia criada pelos choques enfrentados pelo BC. O IPCA, na verdade, ainda ficou em 5,69% em 2005, mas caiu para 3,14% em 2006, o nível mais baixo da história do índice.

A grande diferença daquela época para a atual, nesta visão, é que o mercado e a sociedade percebiam que o BC não admitia perder a sua credibilidade - na verdade, esta postura pode ter sido a causa inicial da incompatibilidade gradativa do governo com membros de perfil mais conservador no Copom.

Fernando Dantas é jornalista da Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

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Esta coluna foi publicada pela AE-News-Broadcast na quarta-feira, 28/5/2014.

Opinião por Fernando Dantas
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