Volutas retóricas à parte, é possível fazer um resumo simplificado do que há de substantivo na discussão. Os dois lados consideram que os principais países ricos - e, no caso, EUA e Inglaterra é que estão de fato na berlinda - terão fortes dores de cabeça fiscais, como herança maldita da crise e das políticas anticíclicas de déficit público. A diferença está na natureza dos problemas previstos. Analistas de instintos mais conservadores como Ferguson atacam o que consideram como excessos daquelas políticas, e acham que potências como os Estados Unidos podem sofrer o mesmo tipo de xeque-mate de desconfiança em relação à solvência pública aplicado pelos mercados na Grécia.
Já a corrente mais afeita ao keynesianismo, na qual Wolf (que está a anos-luz da esquerda) poderia ser incluído, não só considera que a política fiscal anticíclica foi fundamental para evitar o repeteco da Grande Depressão no período pós-quebra do Lehman Brothers, como acha que as conseqüências de se remover os estímulos rápido demais serão piores do que a inevitável ressaca nas contas públicas que virá mais adiante.
Wolf atribui uma probabilidade muito baixa à que a explosão do endividamento dos principais países ricos leve a uma crise de confiança do tipo grego, quando os mercados ameaçam suspender o financiamento a países deficitários, e os prêmios de risco disparam. Ele observa que o Japão, que usou e abusou de estímulos fiscais para tentar tirar a sua economia da estag-deflação pós-estouro da bolha em 1989/90, e passou por um aumento explosivo da dívida pública, nunca teve a sua solvência pública seriamente colocada em dúvida pelos mercados.
Dessa forma, o que estaria à frente dos países ricos superendividados seria um penoso processo de ajuste estrutural - basicamente aumento de impostos e corte de gastos permanentes -, não só para lidar com o rescaldo fiscal da crise, mas também com o envelhecimento da população e o consequente aumento da conta previdenciária. Enfim, um desagradável problema de médio e longo prazo, mas não uma sangria imediata. No curto prazo, a prioridade ainda seria a de eliminar de vez a possibilidade de uma recaída recessiva no mundo rico. E, para isso, os estímulos fiscais deveriam ser mantidos ou até ampliados.
Ferguson, por sua vez, não se acanha em prever que a crise de dívida soberana - reparem no linguajar até pouco tempo confinado a referências a países do Terceiro Mundo - iniciada na Grécia vai se transformar numa "crise fiscal do mundo ocidental", atingindo os Estados Unidos. Um dos seus argumentos mais polêmicos é de que foram os bancos centrais, com o seu afrouxamento monetário quantitativo - fazer jorrar dinheiro na economia comprando títulos do setor privado -, que conseguiram a mágica de evitar a catástrofe pós-Lehman, e não a política fiscal expansionista. E as conseqüências desta última política, para ele, são mais urgentes e agudas do que criar a necessidade de um ajuste estrutural de médio e longo prazo. Num exemplo particularmente literal de frase bombástica, Ferguson escreve que "a dívida do governo americano é um porto seguro da mesma maneira que Pearl Harbor era um porto seguro em 1941".
Esse debate mostra como o establishment continua cindido em relação à natureza da grande crise de 2008/2009 e aos remédios mais apropriados para ela. Os governantes, e particularmente o presidente Obama, têm decisões dificílimas pela frente. Para nem falar em todo o trabalho político de implementar para valer as decisões, uma vez que tenham sido tomadas.
Abaixo, os links dos artigos de Ferguson e Wolf para quem tem assinatura da edição eletrônica do FT: