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Economia e políticas públicas

Opinião|Desafio de Dilma é maior que o de Lula

É uma excelente notícia a declaração da presidente Dilma Rousseff, em entrevista ao jornal Valor Econômico, de que quer colocar todo o dinheiro dos royalties do petróleo em educação. Talvez mais do que o dinheiro em si, cuja destinação final dependerá do Congresso, o que importa mesmo é que a presidente comprou a ideia de que a educação básica é absolutamente imprescindível na etapa de desenvolvimento econômico em que o Brasil se encontra.

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Foto do author Fernando Dantas
Atualização:

Os diagnósticos que vêm da fala presidencial mostram que houve de fato uma convergência de ideias entre as correntes mais à direita e mais à esquerda do pensamento econômico nacional. Eleita por um partido de esquerda, Dilma defende hoje a primazia da formação do capital humano e a participação do setor privado nos projetos de infraestrutura, incluindo o financiamento de longo prazo, que não deveria ficar apenas nas mãos do BNDES.

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Em relação ao "tripé macroeconômico", a presidente - em harmonia com os membros da equipe econômica - afirma que ele está mantido, mas vem sendo administrado com pragmatismo. É difícil, portanto, conciliar o discurso do governo com a ideia de que Dilma está reeditando a era Geisel e apostando suas fichas num modelo estatizante e autárquico. Não há tanta diferença assim entre o que a presidente diz e o que um economista moderadamente ortodoxo defenderia.

O problema, porém, é que os desafios econômicos à frente do Brasil exigem mais do que boas intenções e um discurso correto. A surpreendente freada da economia em 2011 e 2012 pode representar uma nova etapa em que, ao contrário dos anos dourados de 2004 a 2010 (com a interrupção de 2009), não será tão fácil crescer.

Diversos fatores impulsionaram a economia durante a maior parte do governo Lula. O trunfo principal foi o boom das commodities, puxado por uma fase de expansão particularmente veloz da China e de outros países asiáticos. Outra vantagem é que o Brasil iniciou aquela fase com um câmbio desvalorizado e competitivo, fruto do ajuste traumático de 2002 e 2003.

O crédito, por sua vez, pôde se expandir à grande velocidade, já que - especialmente nas modalidades ligadas ao consumo - partiu de bases muito baixas. Houve ainda o efeito no mercado de trabalho das melhoras quantitativas da educação nos anos 90 e no início da década passada, quando praticamente todas as crianças passaram a cursar o Fundamental e os anos médios de estudo da força de trabalho aumentaram. Este impacto ajuda a explicar uma parte considerável do viés pró-pobre do crescimento a partir de 2004, que também foi reforçado pela política de transferência de renda e de aumentos reais do salário mínimo.

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Mundo mudou

O início do governo Dilma viria a colher ainda a cereja no bolo das melhoras sociais e econômicas, com a queda do juro real básico para níveis civilizados, um antigo e aparentemente invencível desafio da economia brasileira. Dessa forma, todas as peças pareciam estar arranjadas para anos de expansão estável na faixa de 4% a 4,5%, que se acreditava ser o crescimento potencial ao final do governo Lula.

Todo esse quadro promissor começou a se desarrumar com a constatação de que, após a fase aguda da crise, o mundo não retornaria à exuberância econômica do período pré Lehman Brothers. Os países ricos arrastam-se num ritmo entre o baixo crescimento e a recessão que lembra a experiência do Japão, que jamais se recobrou do estouro da sua bolha na transição entre os anos 80 e 90. E, agora, mesmo os principais emergentes também desaceleram.

Com isso, o pico da alta das commodities parece ter ficado para trás, o que não augura bem para economias, como a brasileira, que foram fortemente impulsionadas pelo boom das matérias-primas. E, desta vez, o País e seu parque industrial foram pegos com o câmbio valorizado e um elevadíssimo custo unitário de trabalho, frutos do sobreaquecimento via explosão de consumo da nova classe média, que provocou inflação no setor de serviços, onde não há oferta externa. O crédito, por sua vez, já se aproximou de limites perigosos, como demonstra a persistência da inadimplência em níveis bastante altos.

Na educação, enfrenta-se o problema muito mais espinhoso de fazer os jovens completarem o ensino médio e de elevar a qualidade do ensino básico como um todo. E, somando-se a tudo isso, há o desafio de expandir e melhorar a infraestrutura, incluindo prover serviços públicos de qualidade para a nova classe média, que começa a perceber que o bem-estar não se resume ao consumo de alimentos, roupas, eletrodomésticos e serviços pessoais.

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Agenda pesada

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Dilma, portanto, encara uma situação muito diferente, e muito mais difícil, do que aquela que o ex-presidente Lula teve à frente na maior parte do seu governo, em termos econômicos. O fato de que o mercado de trabalho e a renda mantiveram-seem alta nos dois primeiros anos do mandato da presidente dá ao governo um colchão de popularidade, mas está claro que este 'milagre' tem prazo de validade se a economia não rearrancar.

Diante desse quadro angustiante, Dilma e a equipe econômica mantêm o discurso correto, mas não resistem ao hiperativismo discricionário das medidas tributárias, creditícias e tarifárias de estímulo. No fundo, é como se o governo quisesse, com diversos passes de mágica, voltar à era Lula de crescimento fácil.

O problema é que a conjuntura, tanto interna quanto externa, mudou, e provavelmente é preciso uma série de mudanças estruturais muito mais profundas e incômodas para reeditar o sonho do crescimento rápido. Seja na educação, na infraestrutura, no investimento público, na tributação ou no manejo correto do tripé macroeconômico, o governo tem à frente uma agenda pesada e politicamente desgastante. O discurso da presidente Dilma Rousseff aponta na direção correta, mas ela precisará de muito mais do que palavras adequadas para sair vitoriosa do desafio que Lula lhe legou.

Opinião por Fernando Dantas
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