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Economia e políticas públicas

Opinião|Desigualdade é risco fiscal nos EUA

Distribuição de renda piora nos Estados Unidos e Moody's, a agência de rating, considera que isto traz problemas de natureza fiscal, inclusive via polarização política. Semelhança com Brasil não é mera coincidência.

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Foto do author Fernando Dantas
Atualização:

Há um diagnóstico dos problemas fiscais brasileiros como derivados em boa parte da má distribuição de renda. Esta característica levou a um "contrato social" pós-redemocratização que privilegiou a distribuição em detrimento do crescimento, criando um ritmo de crescimento de despesas obrigatórias incompatível com a expansão das receitas tributárias.

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No arcabouço institucional frágil de uma jovem democracia, por onde passou um boi passou também uma boiada. Parte do crescimento dos gastos obrigatórios foi meritória do ponto de vista da justiça social, parte foi lobby de grupos privilegiados.

Seja como for, ficou pesado demais para o Tesouro Nacional. Adicionalmente, a desigualdade polarizou o cenário político, abrindo espaço para populistas de esquerda e direita que descartam as vias racionais de atacar o problema social.

A história acima tem toda a cara de um país emergente e desorganizado, mas agora a Moody's, a agência de rating, vê riscos da mesma natureza nos Estados Unidos, a nação mais avançada do mundo em termos econômicos.

Em relatório recém-divulgado, a Moody's diz que "a crescente desigualdade de renda dos Estados Unidos apresenta desafios de longo prazo para a solidez fiscal e o risco político".

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O documento menciona o último dado da American Community Survey (ACS) de 2018, divulgado pelo Census Bureau na semana passada, segundo o qual a desigualdade americana atingiu o pior nível em 50 anos, com o incide de Gini da distribuição de renda subindo de 0,482 em 2017 para 0,485 em 2018 (não é nem preciso dizer que o indicador brasileiro é muito pior).

Segundo o relatório, "embora a desigualdade também tenha crescido em muitas economias avançadas desde 2000, os Estados Unidos não vão bem nas comparações com seus pares desenvolvidos, mesmo quando se incluem os efeitos de impostos redistributivos e transferências".

A Moody's prevê que a solidez das contas públicas dos Estados Unidos vai diminuir gradativamente na próxima década em função de uma dinâmica fiscal adversa: maior gasto previdenciário, mais pagamento de juros, mais gastos discricionários e cortes de impostos. A projeção é que dívida federal suba mais 20 pontos porcentuais do nível atual de 79% do PIB.

Dessa forma, para atacar o problema fiscal seria preciso tomar medidas de aumento de impostos, fazer uma grande reforma dos programas previdenciários e sociais e realizar cortes de gastos discricionários.

O problema, para a Moody's, é que a desigualdade torna toda essa agenda mais difícil politicamente.

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Se a renda do trabalho permanecer estagnada, a intensificação da polarização política dará impulso a políticas redistributivas, ao mesmo tempo em que "pessoas de alta renda com poder político vão resistir a maior tributação progressiva". Este grupo influencia os políticos por meio da sua capacidade de doação de recursos para campanhas eleitorais.

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O resultado da interação política entre o andar de baixo e o de cima deve ser, nas palavras da agência, "expansão de programas sociais financiada com déficit (fiscal)".

Adicionalmente, a Moody's considera que a crescente desigualdade de renda aumenta o risco político, o que mina a eficácia das políticas públicas e, indiretamente, freia o crescimento econômico e a solidez fiscal.

De acordo com a agência, "embora o risco política permaneça relativamente baixo nos Estados Unidos, o cenário político em mudança e mais fragmentado tem levado a resultados em termos de políticas públicas negativos para o crédito, incluindo a inércia em abordar os desafios fiscais de longo prazo (qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência).

A Moody's observa, finalmente, que o tema de desigualdade, ligado a renda e emprego, foi importante para os votantes na eleição presidencial de 2016 e deve ser novamente em 2020.

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"Se a desigualdade permanecer sem ser tratada, as tensões sociais continuarão a subir, levando a um cenário político ainda mais turbulento que aumenta o risco político nos Estados Unidos, e com isto a um ambiente de políticas públicas menos previsível", conclui o relatório.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 30/9/19, segunda-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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