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Economia e políticas públicas

Opinião|Desistência de governar

Já que dificilmente será reeleito por méritos da sua administração, Bolsonaro joga as fichas na ficção de uma luta entre o bem e o mal, e se dedica a semear instabilidade. Para economia, esse cenário é o pior possível.

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Atualização:

Os mercados reagiram mal ao sete de setembro, o que era de se esperar. Instabilidade política alimenta instabilidade econômica. Mas pensar nas consequências econômicas até a eleição de 2022 da opção de Bolsonaro pelo radicalismo golpista não é um exercício tão simples.

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Para início de conversa, como observou a cientista política Daniela Campello na minha última coluna, o presidente parece ter desistido do eleitor mediano, que não é nem bolsonarista doente nem petista de carteirinha, e que precisa ser conquistado.

É como se o presidente tivesse desistido de governar, no sentido administrativo do termo. A sua sobrevivência política já não pode depender de bons resultados socioeconômicos do seu governo, porque o acúmulo de erros e circunstâncias desfavoráveis (como a pandemia) tornou esse caminho inviável.

Dessa forma, o apoio a Bolsonaro depende da capacidade de o presidente e seus colaboradores venderem uma fantasia de alto apelo emocional para uma fração do eleitorado. Segundo essa ficção, joga-se no Brasil de hoje um capítulo culminante de uma guerra entre o bem e o mal, entre família e religião, de um lado, e o "comunismo", do outro.

Evidentemente, essa lorota delirante nunca irá convencer a maior parte dos eleitores, mas é suficiente para galvanizar uma minoria de razoável tamanho e muito energizada.

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Esse grupo é um cacife que dificulta um impeachment de Bolsonaro e pode talvez colocar o presidente no segundo turno. Chegando lá, os bolsonaristas podem acalentar uma pequena esperança de vitória, na base de tentar reacender o antipetismo se o adversário for Lula.

Na hipótese mais provável de derrota, Bolsonaro não aceita, tenta melar o jogo e, se nada disso der certo, busca sair do Planalto mantendo controle sobre sua base de radicais, o que pode inibir ações contra ele sua família e, quem sabe, preservá-los no jogo político.

Entretanto, mesmo que o presidente tenha desistido de governar, no sentido acima, autoridades econômicas do seu governo, como Paulo Guedes, ministro da Economia, e Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, provavelmente ainda nutrem ambições nas suas áreas.

Esse é possivelmente o resquício de racionalidade administrativa - uma visão até generosa, no caso de Guedes - no governo Bolsonaro, mas que pode sofrer um desgaste crescente.

A determinação do presidente de insuflar o caos, por exemplo, dificulta ou pode até ter tornado inviável uma solução acordada entre Executivo e Judiciário para o imbróglio do orçamento e dos precatórios.

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O barco segue em frente, com um orçamento que formalmente não permite nenhum gasto eleitoral em 2022, um presidente que parece já não dar a mínima bola para a sua plataforma econômica ortodoxo-liberal e o Centrão guloso por benesses que possa arrancar de um governo enfraquecido - antes, é claro, de pular para o barco do próximo vencedor da política brasileira.

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A combinação acima aponta na direção de uma economia política que pode vir a ser nitroglicerina pura. É difícil imaginar Guedes e Campos Neto mantendo a ordem na casa econômica enquanto Bolsonaro atiça a combustão político-eleitoral.

Contribui para os prognósticos pessimistas o fato de que uma conjunção astral infeliz vai se desenhando com crescente nitidez para a economia em 2022: inflação ainda elevada (mesmo que caia), economia estagnada, alto desemprego e nem mesmo o ciclo de commodities parece que vai se manter.

Quanto mais remota for a chance de que o próximo ano traga boas notícias na economia, maior a chance de Bolsonaro chutar o pau da barraca de vez.

Nesse sentido, talvez uma última carta moderadora poderia vir do cenário internacional. Se todas as projeções de alta de juros estiverem erradas e a liquidez permanecer abundante, e se as commodities voltarem a subir, é possível que os bons ventos externos sejam um incentivo para Bolsonaro se preocupar em manter a economia equilibrada.

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Mas se trata de algo aleatório, não muito provável e, ainda assim, quando se trata de Bolsonaro não dá para garantir nem doses mínimas de racionalidade e bom senso.

O mercado está certo em reagir negativamente.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Esta coluna foi publicada em 8/9/2021, quarta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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