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Economia e políticas públicas

Opinião|Economia de Dilma é política

O recado da presidente Dilma Rousseff na entrevista concedida à colunista Mônica Bergamo da Folha de São Paulo, e publicada neste domingo, foi fundamentalmente político, e pode ser resumido da seguinte forma: o PT está decidido a não mostrar qualquer vulnerabilidade, em função da queda da popularidade presidencial, e vai usar as armas de sempre no Fla-Flu eleitoral que se avizinha.

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Atualização:

Um dos principais itens do arsenal são as comparações entre os indicadores socioeconômicos dos três governos petistas com os dos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso. Como em todas as eleições presidenciais recentes, o PT vai jogar parte significativa das suas fichas no ataque à gestão tucana de 1995 a 2002.

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(abaixo deste artigo, há um recém-postado comentário sobre a sucessão no BC americano)

Na entrevista da Folha, Dilma comparou os 4,4 milhões de empregos formais gerados até agora em seu mandato com os 824.394 em todo o governo de Fernando Henrique Cardoso. O simples fato de que estivesse pronta para recitar o número de FHC até a última casa decimal mostra que houve uma preparação prévia para responder às perguntas sobre o fraco crescimento econômico do seu mandato, que periga ficar em média próximo a 2% (possivelmente será abaixo do registrado nos oito anos tucanos, quando a média foi de 2,3%).

Da mesma forma, quando pressionada sobre a piora da inflação, ela lembrou que Fernando Henrique Cardoso não cumpriu a meta em três dos quatro anos no qual o sistema vigorou em seu governo, enquanto a administração petista a cumpre pelo décimo ano consecutivo.

Dilma também reafirmou o papel de Guido Mantega como principal condutor da política econômica do PT. Analisando com mais cuidado as entrelinhas da sua declaração - "o Guido está onde sempre esteve: no Ministério da Fazenda" -, fica claro que ela só disse o óbvio, e que não deu nenhuma garantia explícita da manutenção do Ministro.

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Ainda assim, da forma enfática de dizer o óbvio deduz-se que a presidente não tem a mínima intenção de tornar públicas quaisquer críticas que hipoteticamente tenha sobre a política econômica dos últimos anos.

E é a partir dessa mesma postura que devem ser lidas diversas outras respostas da presidente sobre política fiscal, Previdência, crescimento, investimentos e concessões pública. Em todas elas, o que se viu foi uma defesa enfática de tudo o que o governo petista fez e vem fazendo, e nenhum sinal de que se pensa em alguma mudança de curso.

Mesmo na única concessão à autocrítica da entrevista, Dilma faz, no fundo, o autoelogio. Ela admite que não houve "aceleração" na qualidade dos serviços públicos, mas esta declaração é apenas o corolário da visão oficial de que as manifestações foram causadas pela bem sucedida inclusão social promovida pelos governos petistas. Assim, como as administrações dela e de Lula criaram "condições para milhões de brasileiros ascenderem", agora estas pessoas exigem um contínuo upgrade da sua cidadania, na forma de melhores serviços públicos. "Inclusão social exige mais inclusão", resumiu a presidente.

 

Não há alienação

É ingênua a visão de que a entrevista mostra uma presidente alienada dos graves problemas que a economia brasileira enfrenta, numa atitude de Poliana, a ver um mar de rosas onde de fato existe forte turbulência. Dilma sinaliza na entrevista à Folha a consciência das dificuldades ao dizer que "estamos crescendo com vendaval na cara", referência à piora do cenário externo para economias como a brasileira.

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Para Dilma, a situação internacional "é extremamente delicada", com lenta recuperação nos Estados Unidos, ajuste na China e desvalorização das moedas ante o dólar, ante a perspectiva do fim do ciclo de superexpansionismo monetário dos Estados Unidos.

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Não há, portanto, uma presidente cega às dificuldades, mas sim uma operadora política que vai tentar transferir para fatores exógenos e não controláveis pelo governo toda a responsabilidade pelos problemas que o Brasil hoje enfrenta.

Seria uma surpresa se Dilma e o PT agissem de outra forma. A pouco mais de um ano das eleições presidenciais, seria suicídio político fazer a autocrítica da guinada heterodoxa da política econômica a partir de 2006.

O PT foi extremamente bem sucedido em termos eleitorais com a fórmula de atacar os governos tucanos e a sua receita liberal de política econômica. Embora o eleitorado brasileiro não seja particularmente afeito a debates ideológicos mais minuciosos e profundos, os ataques à privatização, o culto à Petrobrás, o nacionalismo de recursos naturais (trabalhado politicamente na mudança de modelo para a exploração do pré-sal) e a proteção à indústria nacional fazem parte de um pacote de propaganda que visa contrastar a visão petista de mundo ao que seria o neoliberalismo entreguista dos tucanos. Nesta roupagem simples e altamente simbólica, este é um discurso que funciona, e que cala fundo em instintos políticos desenvolvidos pela maioria da população desde a era getulista.

Ao iniciar seu governo, Lula, premido pela gravíssima crise econômica, adotou uma política econômica ortodoxa, de continuação e aprofundamento do que fora feito no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso. Esta guinada inicial ajudou Lula a cair nas graças do establishment político, econômico e financeiro internacional, trunfo que ele explorou habilidosamente, e provavelmente serviu também para consolidar a suavização da imagem do PT junto à classe média, que anteriormente temia o radicalismo do partido.

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Uma vez consolidada a estabilidade econômica, Lula e o PT permitiram-se uma gradual inflexão da política econômica em direção à heterodoxia, mas sem mexer inicialmente com os principais alicerces ortodoxos. Alguns acontecimentos fortuitos impulsionaram esta mudança, como a queda do ex-ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e a grande crise global de 2008 e 2009, que criou um breve momento em que a heterodoxia tornou-se a recomendação básica do establishment econômico-financeiro internacional.

Porém, mesmo considerando-se o quanto foi conduzida por eventos acidentais, a guinada heterodoxa da política econômica petista fez sentidos em termos de estratégia eleitoral. Ela pode ser considerada a cereja no bolo do processo de diferenciação e crítica em relação ao "neoliberalismo" tucano. Como observado acima, de forma simplificada e adaptada ao nível de consciência política do eleitorado brasileiro, o PT obteve grande sucesso com a estratégia de pintar a si próprio como um partido nacionalista em termos de política econômica, em contraste com o liberalismo tucano.

Risco é topar com Marina

É claro que outros ingredientes, talvez até mais importantes, entraram na fórmula, como a ideia de que a política econômica do PT é inclusiva e promoveu a ascensão social de dezenas de milhões brasileiros que viviam na pobreza.

De qualquer forma, uma ideia formou-se sobre a economia petista: a de que promove a inclusão, reduz a desigualdade e defende o interesse nacional. Há até pouco tempo, crescimento econômico também fazia parte do pacote, mas o fracasso do governo Dilma neste quesito dificulta a sua manutenção na lista de atributos.

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Quando se interpreta uma entrevista da presidente Dilma Rousseff, todo esse background da evolução do discurso petista sobre a economia tem de ser levado em consideração. Principalmente, a sua extrema eficácia em diversas eleições não deve ser esquecida. Não há o menor sentido político em retroceder agora, e mostrar vulnerabilidade e hesitação.

Os protestos de junho afetaram por igual os principais partidos políticos, e Dilma e os estrategistas do PT sabem disso. Por isso, a presidente sinaliza que vai segurar o tranco e manter a estratégia de jogo. De quebra, lança provocações na direção do PSDB, o adversário tradicional, para mostrar que se sente preparada para a guerra eleitoral. O único risco é que, na hora da briga de verdade, no ano que vem, surja como principal antagonista a candidata Marina Silva, que não carrega nas costas os indicadores socioeconômicos de FHC e será muito mais difícil de rotular como liberal, entreguista e indiferente aos pobres.

Fernando Dantas é jornalista do Broadcast. E-mail: fernando.dantas@estadao.com

Este artigo foi publicado originalmente na AE-News/Broadcast

Opinião por Fernando Dantas
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