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Economia e políticas públicas

Opinião|Elas por elas

Em termos de atividade econômica no curto prazo, o PIB do segundo trimestre foi uma notícia ruim, mas o anúncio de mais quatro parcelas do auxílio emergencial foi uma boa nova. Dessa forma, com uma puxando para um lado e a outra para o outro, as estimativas do PIB do ano não devem mudar muito.

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Atualização:

Não deve ter sido coincidência que o anúncio de mais quatro parcelas do auxílio emergencial, realizado hoje, tenha sido no mesmo dia da divulgação de um PIB do segundo trimestre que veio significativamente pior do que o projetado pela média do mercado.

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O efeito de compensação entre uma notícia boa e uma ruim, do ponto de vista das expectativas da economia, fica evidente na reação de duas equipes de análise macroeconômica conjuntural.

No Ibre/FGV, como explica a economista Luana Miranda, na última rodada de projeções foi previsto queda do PIB este ano de 5,4%, mas não incluindo novas parcelas do auxílio emergencial. Na época, porém, também foi feito uma estimativa sobre qual seria a alta do PIB se o benefício fosse estendido, e chegou-se a recuo de 4,5%.

Agora, o resultado decepcionante do PIB do segundo trimestre com certeza levaria uma revisão substancial, para pior, do resultado do ano. Mas esse fator é compensado pelo anúncio de novas parcelas do auxílio, e, por causa disso, o Ibre está mantendo a projeção de -5,4% para o PIB de 2020.

No Asa Bank, o diretor Carlos Kawall explica que a projeção de queda de 5,6% do PIB este ano iria ser revisada para -5% por causa do anúncio da extensão do auxílio emergencial. Porém, com o resultado pior do que o esperado do PIB do segundo trimestre, a projeção para o ano fica em -5,3%.

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O governo anunciou quatro novas parcelas do auxílio no valor de R$ 300, o que representa metade dos R$ 600 das cinco parcelas da primeira fase do programa. Na primeira etapa, alguns beneficiários ganham benefício dobrado, o que aparentemente foi mantido na segunda.

De qualquer forma, como explica Luana, a injeção do auxílio emergencial "extra" vai ajudar a economia no segundo trimestre. Na estimativa do impacto das novas parcelas do auxílio emergencial, mencionada acima, o

Ibre usou parâmetros até menos generosos do que o anúncio final. Porém, como há dúvida ainda se tudo vai ser repassado este ano ou se, com atrasos, algo pode ficar para o início de 2021, por enquanto a calibragem do efeito se mantém.

Decepções em serviços

Em relação ao PIB, a economista explica que os desapontamentos, além de afetarem o resultado do ano diretamente pelo seu impacto no segundo trimestre, sinalizam fraqueza maior que a esperada para esses setores, basicamente ligados aos serviços, no segundo semestre.

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Duas dessas decepções surpreenderam o próprio Ibre. Os serviços de administração pública, que incluem educação e saúde públicas, recuaram 8,6% no segundo trimestre, ante igual período de 2019, e 7,6%, ante o primeiro trimestre deste ano, na série dessazonalizada.

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Luana nota que consultas e exames adiados, por causa da pandemia, e aulas canceladas são exemplos do que pode ter levado os serviços da administração pública a um desempenho tão ruim.

"Como a normalização da economia pós-pandemia é gradual, esse impactos devem desaparecer mais devagar do que a gente pensava, e afetam a expectativa dos dois trimestres finais do ano", explica a economista.

A outra surpresa negativa foram os transportes. O segmento "transporte, armazenagem e correio" recuou 20,8% ante o segundo trimestre de 2019 e 19,3% em relação ao primeiro trimestre de 2020, na série dessazonalizada.

A economista nota que esse resultado veio pior que o sinalizado por números relativos a transporte na Pesquisa Mensal de Serviços (PMS, do IBGE) e no Indicador de Atividade Econômica e no Monitor do PIB, estes dois últimos do Ibre. Como no caso dos serviços de administração pública, o resultado dos transportes no segundo trimestre sinaliza desempenho pior do segmento no resto do ano que o anteriormente imaginado.

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Já um terceiro item de destaque negativo dos serviços no segundo trimestre não surpreendeu Luana, porque o Ibre já vinha batendo na tecla dos problemas desse segmento: os "outros serviços".

Há muita coisa diferente dentro dessa categoria, mas alguns destaques são segmentos muito afetados pela pandemia, como educação e saúde privados (pelas mesmas razões que as públicas), alimentação fora de casa e alojamento (onde estão hotéis).

Os "outros serviços" recuaram, no segundo trimestre, 23,6% ante o segundo tri de 2019, e 19,8% ante o primeiro trimestre deste ano, na série dessazonalizada.

Kawall, do Asa Bank, nota que, com o anúncio do acréscimo de parcelas do auxílio emergencial e o resultado do PIB do segundo trimestre, as peças do PIB de 2020 vão se encaixando, e a interrogação maior passa a ser sobre 2021.

Ele, em particular, está muito cauteloso quanto ao crescimento no próximo ano, com o Asa Bank tendo reduzido sua projeção de 2,7% para 2,1%. É de fato uma previsão conservadora, já que a média do Focus (coleta de projeções do mercado pelo BC) é de alta do PIB de 3,5% em 2021.

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Construção veio bem

Kawall aponta até uma surpresa positiva no PIB do segundo trimestre, que foram os investimentos, que caíram pouco mais de 15% nos dois tipos de comparação (contra o segundo tri de 2019 e o primeiro de 2020). Parece horrível, mas se esperava algo ainda pior.

Esse resultado menos negativo, acrescenta o economista, derivou da construção civil, que com queda de 11,1% ante o segundo trimestre de 2019 e de 5,7% ante  primeiro tri, com ajuste sazonal, também veio acima (ou "menos abaixo") do esperado. O componente de máquinas do investimento permanece muito deprimido, em consonância com o desempenho da indústria de transformação, que foi muito ruim.

Kawall observa que os dados de crédito imobiliário e da construção habitacional de julho vieram bons.

O País está diante, segundo o analista, de uma retomada muito peculiar. Os juros já entraram na recessão baixíssimos, e o crédito está bem não só no setor imobiliário, mas também para automóveis, por exemplo.

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O problema, porém, é que o mercado de trabalho foi arrasado, na esteira da devastação no setor de serviços, e há uma deterioração muito grave da renda (cujos efeitos tendem a se acentuar quando o auxílio emergencial acabar).

Assim, haverá uma certa "queda de braço" entre o comportamento melhor do mercado de bens e de crédito, de um lado e, do outro, as enormes dificuldades que ainda atingem os serviços, se estendendo a muito negócios de pequeno porte - que foram muito menos amparados, com o grosso da artilharia fiscal do governo indo para o auxílio emergencial, o que Kawall julga uma alocação desequilibrada.

Uma possibilidade, diz o economista, seria "os bens e o crédito terem o poder de puxar a confiança de empresários e consumidores para que o emprego volte mais rapidamente e dê consistência à retomada".

Mas por enquanto ele é cético quanto a essa possibilidade. A combinação de juros baixos e câmbio desvalorizado é, para Kawall, o melhor trunfo da economia brasileira para o ano que vem, mais do que novas e cada vez menos sustentáveis injeções fiscais. Mas o rescaldo da pandemia é muito pesado.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

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Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 1/9/2020, terça-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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