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Economia e políticas públicas

Opinião|Em busca da "evidência irrefutável"

Ricardo Paes de Barros, conhecido como PB, e um dos grandes especialistas em educação e política social do Brasil, apresenta muitos dados para indicar que problema da educação no Brasil está mais na eficiência do gasto do que no seu tamanho. Mas ele acha que é preciso pesquisar mais, até chegar à "evidência irrefutável que convença qualquer um".

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Atualização:

O economista Ricardo Paes de Barros (conhecido como PB), professor do Insper e especialista em política social e educação, coleciona dados e informações que sugerem que o problema da qualidade da educação brasileira está mais na eficiência com que os recursos são gastos do que no volume de recursos disponíveis para serem gastos.

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Uma primeira questão é saber se o Brasil gasta pouco e se os professores brasileiros do ensino básico ganham pouco. Comparações internacionais e outros dados organizados pelo economista apontam que não.

Segundo a Declaração de Incheon (cidade sul-coreana onde ocorreu o Fórum Mundial de Educação de 2015), pelo menos de 4% a 6% do PIB dos países deve ser gasto em educação, que deve consumir ao menos de 15% a 20% das despesas públicas.

O Brasil gastou em educação, na média de 2014 a 2017, ligeiramente mais que 6% do PIB, o que o coloca à frente de 83% dos países de um grupo de 142 para o qual aquela informação está disponível.

O salário médio dos professores no Brasil, nos anos iniciais da carreira, equivale a pouco menos de 85% do salário médio de um profissional com ensino superior completo, o que está muito próximo desse indicador na média da OCDE, organização que reúne quase todos os países ricos e alguns emergentes.

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A nota de corte da licenciatura no Enem é abaixo da nota de corte média de todas as carreiras, em todas as unidades da Federação. Da mesma forma, o desempenho dos alunos das licenciaturas e de Pedagogia no Enade, exame que avalia os concluintes dos cursos de graduação, é inferior à média do Enade em todas as unidades da Federação.

Assim, dado que o desempenho dos professores no ensino superior é inferior à média, o ganho no início de carreira de 85% da média dos vencimentos das pessoas com diploma universitário não parece incongruente.

PB nota também que, entre 2009 e 2018, o crescimento em termos reais do PIB per capita brasileiro foi de 4%, o do salário mínimo de 31% e o do piso nacional do magistério de 72%.

A renda média mensal dos professores do ensino básico, de R$ 4.000, é superior à de 90% da população (dado de 2018), e superior à de 95% dos pais com filhos em escolas públicas.

A segunda questão é saber se, para melhorar a qualidade da educação básica no Brasil, o que funciona melhor é injetar mais dinheiro ou usar os recursos com mais eficiência.

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Novamente, PB apresenta uma série de dados que indicam que, embora os dois fatores importem, o segundo pesa bem mais.

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Quando ele analisa todas as redes escolares municipais, cruzando o Ideb (avaliação) das séries iniciais com o gasto por aluno, o pesquisador encontra que apenas 19% do desempenho no Ideb é explicado pelo tamanho do gasto por aluno. Os outros 81% ele atribui à ineficiência do gasto.

Alguns municípios com gasto por aluno muito baixo, em regiões pobres do País, como a já famosa Sobral, no Ceará, ou Cocal dos Alves, no Piauí, têm Ideb no topo da escala de distribuição, e muito acima da média das escolas públicas (e também acima da meta do Plano Nacional de Educação, PNE, para 2021).

Em 2017, o maior Ideb para os anos finais do ensino fundamental, entre as capitais do Brasil, foi o de Teresina, num dos Estados mais pobres do País. O índice atingiu 6, superior à meta nacional para 2021, de 5,2.

PB também relacionou a nota média de matemática no PISA (exame internacional de alunos de 15 anos) em 2015 dos países que participaram do teste com o seu gasto anual por aluno em dólares, com paridade de poder de compra (PPP).

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Cruzando esses indicadores e calculando a nota esperada dos alunos de cada país em matemática, dado o grau de gasto, a conclusão é que o Brasil foi o mais ineficiente dos 72 países que participaram do PISA em 2015.

Recentemente, o gasto em educação entrou no debate público, com a votação do novo Fundeb na Câmara. O pesquisador tem elogios, críticas e sugestões ao projeto.

Entre os primeiros, ele destaca as novidades do novo Fundeb relativas a distribuir parcela dos recursos de acordo com o desempenho das redes escolares em termos de ensino e redução de desigualdades educacionais.

Uma de suas críticas principais é a destinação de não menos de 70% dos recursos do Fundeb para o pagamento dos profissionais de educação básica. Isso dá um total de R$ 123 bilhões reservados a essa categoria profissional, o que é mais que a renda dos 48 milhões de brasileiros mais pobres.

Adicionalmente, a população de zero a 17 anos está caindo, de forma que o número de professores tende a diminuir, mas o porcentual do dinheiro gasto em remuneração está fixo.

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Mas se há tantas evidências de que o problema da educação no Brasil está mais na eficiência do que no volume do gasto, por que o debate público continua quase exclusivamente pautado pela discussão do tamanho da despesa?

PB tem uma resposta surpreendente para essa pergunta.

"As evidências ainda são muito indiretas, e só convencem quem já está convencido; nós, que acreditamos nisso [na preponderância do problema da eficiência do gasto] precisamos de evidências mais sólidas e contundentes".

Ele nota que críticas podem ser feitas ao seu exercício de cruzar gasto por aluno com nota da rede municipal no Ideb - como o fato de que o dado do gasto às vezes é poluído por critérios como incluir ou não os aposentados; ou que há problemas na comparação de redes e municípios muito pequenos e muito grandes; ou ainda que a mensuração do gasto deveria ser uma média de muitos anos, já que os resultados do investimento em educação custam a aparecer.

"É preciso descartar cada possível crítica, para chegarmos a uma evidência irrefutável, que convença qualquer um", conclui PB.

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Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 18/8/2020, terça-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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