A lógica do populismo econômico é maximizar o bem-estar no presente, mesmo à custa de tornar pior o futuro.
É óbvio que essa conta não fecha. Como se manter no poder se o futuro um dia vai virar presente, tornando necessário arcar com o custo da irresponsabilidade passada?
O populista, claro, não tem resposta satisfatória para esse problema. Na prática, o que se vê são duas situações típicas.
Na primeira, o populista promove uma bonança insustentável, se mantém no poder enquanto ela dura, e perde eleitoralmente quanto a conta chega.
Se o sucessor for não populista, a tendência é que tente arrumar a casa, mas frequentemente apenas para ser trocado de novo por um populista, quando a população cansar da disciplina - que naturalmente não tem como ser justamente distribuída em países muito desiguais, o que o populista incorpora em seu discurso político.
É raro o caso, em países subdesenvolvidos, desiguais e instáveis, em que um não populista consiga colher o fruto que plantou em termos de políticas responsáveis - isto é, é raro que os benefícios postergados dessas ações se transformem em trunfo eleitoral para o não populista.
Antes disso, provavelmente, um populista voltará ao poder atacando a injustiça do aperto de cinto, e em seguida aproveitará qualquer melhora institucional que o não populista tenha implantado para turbinar uma nova bonança até que esta se torne insustentável. E o ciclo segue.
A segunda situação, pior, é aquela em que o populista se mantém no poder mesmo depois que a conta chega, minando as instituições democráticas até implantar na prática uma ditadura, como na Venezuela.
O controle total ou parcial das informações, a repressão da oposição política, a manipulação institucional e a capacidade de distribuir favores para grupos específicos (muito ligada ao país dispor de muitos recursos naturais, como o petróleo na Venezuela e Rússia) substituem a bonança econômica como meio de o populista se manter no poder.
Jair Bolsonaro é sem dúvida um populista - de direita, no caso -, mas que não conseguiu produzir nenhuma bonança econômica. Hoje, no mundo, ele não está sozinho nessa situação. A pandemia deixou um rastro econômico muito difícil em quase todos os países.
No mundo rico, em especial nos Estados Unidos, a atividade econômica e o mercado de trabalho voltaram com tudo, mas junto com inflação inusitadamente alta, o que é péssimo em termos de popularidade governamental.
No Brasil, a inflação disparou sem que nada exuberante tenha ocorrido na atividade e com o mercado de trabalho ainda numa situação muito ruim. O estrago em termos de popularidade presidencial é ainda pior.
O Brasil não é uma exceção no mundo em desenvolvimento. Outros países se encontram em situações parecidas, embora a alta de inflação brasileira seja particularmente aguda, tirante aberrações como Argentina e Turquia.
Não houve nos últimos anos, portanto, meios de fabricar um bonança econômica artificial, nem que governantes com inclinações populistas assim o desejassem.
Mas é preciso reconhecer que Bolsonaro, ao tomar como ministro da Economia Paulo Guedes, autointitulado liberal e ortodoxo, também criou limites para si mesmo em termos de promover populismo econômico.
Longe de esta coluna avaliar positivamente a gestão econômica do atual governo. Basta recuar no tempo para verificar que as críticas a Guedes foram muito mais frequentes que os elogios.
Mas é justo apontar que medidas como reforma da Previdência, manutenção - mesmo com graves adulterações mais para o final do mandato - do teto de gastos, autonomia do Banco Central e moderação do crédito dos bancos públicos não constituem, de forma alguma, uma agenda populista - bem pelo contrário.
Houve ainda o marco do saneamento, a recente privatização da Eletrobrás e diversos avanços microeconômicos na área de crédito e financeira em geral (como o pix, de sucesso espetacular).
Mas o sinal mais claro de "não populismo" econômico de Bolsonaro é o fato de que se caminha - salvo alguma mirabolante mágica para fazer gastos eleitoreiros - em 2022 para uma redução dos gastos federais como proporção do PIB de cerca de 1,5 ponto porcentual (pp) em comparação aos quase 20% de 2018. Que haja queda nesse quesito durante um mandato presidencial é inédito desde a redemocratização.
Talvez seja exatamente essa percepção de Bolsonaro de que, apesar de todo seu instinto populista, ele caminha para provavelmente perder a eleição que o está deixando tão alvoroçado em relação à questão dos combustíveis.
Para o populista, nada é pior do que terminar a guerra derrotado e ainda com uma parte substancial da frota intacta. É preciso partir para o tudo ou nada e perder até o último navio na tentativa de se reeleger.
Mesmo assim, talvez porque o presidente ainda tenha esperança de sair vitorioso em outubro, o PLP dos combustíveis tal como proposto pelo Executivo joga a perda permanente - líquida do aumento estrutural de arrecadação - de receita de cerca de 0,6 pp do PIB nas costas dos Estados.
São movimentos desesperados e provavelmente inúteis de um presidente de alma populista diante da iminência da derrota (obviamente, segundo a fotografia deste momento - a disputa eleitoral "só acaba quando termina").
Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 14/6/2022, terça-feira.