A pouco mais de um ano das eleições presidenciais de 2022, a política fiscal do próximo governo e a discussão sobre o que fazer com o teto de gastos vai entrando no radar do debate público.
Recentemente, economistas ligados a três potenciais candidatos abordaram o assunto na imprensa (reportagens no jornal Valor Econômico), indicando que o arcabouço da política fiscal estará em jogo no futuro próximo, para o bem ou para o mal.
Guilherme Melo, da Unicamp, que liderou o programa de Fernando Haddad em 2018 e coordena o núcleo de economia da Fundação Perseu Abramo, ligado ao PT, defende o fim do teto de gastos. Mas ele prega a substituição por outra regra, não constitucional, com abrangência temporal de quatro anos, permitindo a cada governo definir uma trajetória de gasto compatível com sua ideologia e seu programa.
Já Mauro Benevides, assessor econômico de Ciro Gomes, propõe a retirada dos investimentos do teto de gastos, e a contenção de despesas salariais, que não poderiam subir acima da inflação nos primeiros três anos do próximo governo.
Para Aod Cunha, ligado a Eduardo Leite, governador tucano do Rio Grande do Sul, é preciso manter o teto dos gastos, mas criar metas na área social e ambiental.
Todas essas ideias apontam na direção de um dilema fundamental, na visão do economista Manoel Pires, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e especialista em assuntos fiscais do Ibre-FGV.
Ao longo da campanha no ano que vem, e a partir de 2023 no caso de quem for eleito, será preciso decidir entre anunciar e implementar uma mudança grande do arcabouço fiscal para criar um arranjo mais duradouro e sustentável, ou tocar com a barriga com o teto e os muitos furos e contornos que já estão sendo feitos no limite constitucional.
A alternativa de manter o teto, na visão de Pires, significa de certa forma dar continuidade ao que já é posto em prática hoje, com Paulo Guedes no Ministério da Economia e Jair Bolsonaro na presidência. Já a opção de mudar decididamente o arcabouço traz o risco de uma reação forte dos mercados, o que não ajuda um governo que se inicia. Em outras palavras, o dilema não é trivial.
Nesse debate, Pires se alinha a favor da mudança, mas não subestima as dificuldades desse caminho e os cuidados que se devem tomar para segui-lo.
Ele observa que, em relatório recém-divulgado sobre o Brasil, o FMI recomenda que se desenvolva um arcabouço fiscal abrangente de médio e longo prazo.
Na visão do economista, a mudança fundamental no teto é a de alterar o indexador do crescimento de gastos. Na sua visão, em vez de zero em termos reais, como hoje, deveria ser na faixa de 1 a 1,5% ao ano, o que ainda daria um crescimento à despesa inferior ao do PIB potencial - o que é reforçado pelo fato de que o deflator do PIB vem rodando acima do IPCA.
A principal consequência prática de uma medida como essa, na visão do analista, é que o País se comprometeria com ajuste fiscal e processo de estabilização da dívida pública com prazos mais longos do que o implícito no teto atual (caso fosse cumprido à risca).
Esse alongamento do horizonte do ajuste teria a justificativa de que alguns dos passos mais importantes para conter a expansão da despesa obrigatória, como a reforma da Previdência, já foram realizados, e o investimento público caiu a níveis extremamente baixos.
Mas precisaria haver itens adicionais nessa agenda para dar mais segurança à mudança do arcabouço fiscal, segundo Pires.
Os gastos de pessoal deveriam ser submetidos a um subteto, que desse alguma racionalidade à sua evolução (simplesmente congelar indefinidamente não é sustentável), mas que não permitisse que subissem acima do teto geral, obrigando a comprimir outras despesas.
Seria preciso também um compromisso com pontos de reforma que hoje são apoiados por técnicos de diferentes simpatias partidárias, como o fim do abono salarial, um programa social caro e ineficiente, e uma boa reforma administrativa.
Pires também considera fundamental um acordo político para eliminar as emendas de relator, inclusive para ajudar a abrir espaço fiscal para um programa de investimentos a partir de uma carteira de projetos avaliados e com taxa de retorno transparente e compensatória, que teriam prioridade de execução no rito orçamentário.
O economista também defende alguma medida pelo lado da receita, como uma reforma tributária que jogue mais peso na renda e menos no consumo, com algum ganho de arrecadação.
Pires nota que, enquanto permanecer nebuloso o que vai acontecer com a política fiscal a partir de 2023, a incerteza - que tolhe investimentos - continuará elevada no Brasil.
E, finalmente, o economista observa que os candidatos e suas equipes econômica não podem ignorar que há uma espécie de predefinição de prioridades orçamentárias ligadas ao momento atual do Brasil e do mundo, como proteção social e investimentos em transição energética e reflorestamento.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 23/9/2021, quinta-feira.