Fernando Dantas
25 de janeiro de 2022 | 20h17
O Brasil deve fazer uma expansão fiscal de pelo menos 1% do PIB em 2023, na visão de Nelson Barbosa, ex-ministro da Fazenda, pesquisador associado do Ibre-FGV e participante das discussões de economistas do PT.
Barbosa propõe uma inversão da ordem de perguntas que os economistas em geral, de diferentes tendências, vêm se fazendo no debate sobre a política fiscal do próximo governo.
A primeira questão é o que, na prática, deve ser feito em 2023 para atender demandas básicas da sociedade, em termos do que interessa e é compreensível para as pessoas comuns.
Na sua visão, com o crescimento projetado para zero ou até menos este ano, e pobreza, desigualdade e desemprego em níveis ainda muito elevados, expandir o gasto social será inevitável em 2023.
Adicionalmente, um impulso de ampliação do investimento público, que caiu a níveis irrisórios, parece a ele fazer todo o sentido no contexto de uma economia que não consegue crescer.
Outros analistas e forças políticas podem ter prioridades diferentes, mas Barbosa considera que é a partir da resposta a essas duas perguntas – qual o impulso fiscal que se pretende dar, e qual a sua composição – é que se devem pensar mudanças no arcabouço de regras fiscais.
“O ideal é fazer o maior impulso possível, mas não adianta se for levar a uma brutal depreciação e aumento de juros; por isso o impulso tem que se compatibilizar com a estabilidade do cenário macro e nesse ponto é que entra a discussão das regras fiscais”, ele diz.
A regra fiscal, evidentemente, tem que ser compatível com o impulso planejado, mas, ao mesmo tempo, tem que apontar na direção de um cenário de contas públicas sustentáveis. Barbosa defende uma regra fiscal mais flexível, com a contrapartida de se reforçar a transparência, a prestação de contas e a visibilidade de longo prazo.
Na visão de Barbosa, o teto de gastos deveria ser substituído por meta de gastos, que permita algum crescimento real da despesa, compatível com o equilíbrio macroeconômico. Ele nota que, tanto no governo Dilma como posteriormente no Legislativo, o PT já encaminhou propostas desse tipo.
Outra questão importante, que o ex-ministro vê sendo atacada hoje tanto na União Europeia (UE) como nos Estados Unidos, é a proteção dos investimentos no contexto do controle dos gastos.
Dessa forma, na sua visão, a meta de gastos deve incluir orçamentos separados para investimentos e gastos correntes (e, dentro deste último, é preciso um limite específico para as despesas de pessoal).
Uma das ideias é centralizar, coordenar e trazer para a luz do dia o programa de investimento público, na direção contrária do que ocorre hoje: com o espaço de investir cada vez mais comprimido pelo gasto corrente, o investimento mergulhou na clandestinidade do orçamento secreto, fragmentado e descoordenado.
Na visão de Barbosa, o orçamento de investimentos definiria volumes de recursos para áreas – transporte, meio ambiente, saneamento, educação, ciência e tecnologia – e, a partir desse ponto, ministérios, Legislativo, governadores, prefeitos e sociedade civil trariam seus projetos para serem discutidos e eventualmente aprovados ou integrados num processo transparente e participativo.
O mais provável é que governo fosse cobrado a posteriori por talvez não conseguir investir todo o programado, e, ao se explicar, as questões de eficiência do Estado, aprovação ambiental, atuação de órgãos de controle etc. seriam devidamente discutidas e soluções para os principais entraves possivelmente encaminhadas.
Em termos mais específicos, Barbosa menciona princípios discutidos pelo PT em 2020 e 2021, no contexto da tramitação de PECs no Senado e emendas na Câmara. Além da substituição das regras existentes por regra de gasto admitindo crescimento real da despesa primária, haveria a apresentação de cenários de quatro anos no início de cada mandato (PPA), a serem revisados a cada ano na LDO e LOA. Assim se estabeleceria limite de gasto anual para evitar que a despesa seja pró-cíclica.
Com o limite de gasto global, deixa-se de fazer contingenciamento, com valorização da transparência, prestação de contas e participação do Congresso. Seria fixada meta específica e plurianual de investimento, incluindo meio ambiente e alguns tipos de programa social.
O limite de crescimento da folha deve permitir concursos e negociação com os servidores, e pisos de saúde e educação evitariam queda do gasto por habitante/usuário. A recuperação da receita, com reforma tributária ampliando contribuição dos mais ricos, seria mais uma peça do reequilíbrio orçamentário. A dívida pública poderia subir no curto prazo para estabilizar a economia.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcas tem 25/1/2022, terça-feira.