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Economia e políticas públicas

Opinião|Governo vai de emprego, oposição vai de inflação

Parece que o mercado de trabalho será o grande trunfo do governo na campanha eleitoral, e a inflação, o grande trunfo da oposição. Enquanto o emprego dá mostras de que talvez ainda tenha fôlego para manter a popularidade presidencial até o momento da votação, a alta de preços ganha fôlego e pode colocar em xeque a estratégia cautelosa do Banco Central (BC).

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Atualização:

As expectativas para o IPCA de 2015 voltaram a subir, depois de ficarem estacionadas em 5,7% desde janeiro. Agora, já se elevaram para 5,8%, e muitos analistas acham que podem ir bem mais longe. O que conta para a guerra eleitoral é a inflação corrente do ano, que também deve subir no acumulado de 12 meses, mas as expectativas para 2015 são um sintoma particularmente significativo de que a deterioração do quadro inflacionário durante o governo da presidente Dilma Rousseff ainda está longe de ser revertida.

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Assim, a novidade recente é a aceleração da inflação de alimentos, ligada à estiagem. Mas o fato mais preocupante é que, mesmo tendo promovido uma alta da Selic de 3,5 pontos porcentuais desde abril do ano passado, o Banco Central não conseguiu recuperar a capacidade de coordenar as expectativas. A alta da inflação esperada em 2015 demonstra este ponto.

Muitos analistas esperam que, passadas as eleições, e mais provavelmente ao longo do próximo ano, o represamento dos preços administrados, que afeta itens como gasolina, eletricidade e ônibus urbanos, seja ao menos parcialmente desfeito. Com isso, aumenta a probabilidade de que a inflação de 2015 seja superior à de 2014, e os mais pessimistas já veem risco de estouro do limite de 6,5% da meta no ano que vem.

Mas mesmo em 2014, em meados do ano, a inflação pode trafegar perto do teto, o que certamente dará combustível eleitoral para a oposição.

Nesse sentido, causa estranheza em alguns a redução do ritmo de alta da Selic para 0,25 ponto porcentual na última reunião do Copom. A ideia era de que a mudança sinalizaria o fim em breve do ciclo de elevação, o que se mantém como um cenário bem plausível. Mas agora já começa a aparecer a possibilidade, para alguns, de que poderia haver mais aumentos remanescentes de 0,25 do que se supunha inicialmente.

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Caso isso se confirme, de novo se manifestaria um padrão de conduta do BC que aparentemente não leva em consideração que movimentos mais fortes e mais rápidos podem antecipar ganhos, reforçar a credibilidade e ajudar no trabalho fundamental de passar as rédeas de novo nas expectativas mais de longo prazo.

Haveria três explicações possíveis para o BC abrir mão de movimentos mais contundentes que poderiam resgatar a sua credibilidade. A primeira, de que a autoridade monetária discorde desta visão, não é muito provável, porque os participantes do Copom são sofisticados demais para não perceberem algo tão óbvio e consensual.

A segunda hipótese, mais plausível, é de que o BC do presidente Alexandre Tombini esteja extremamente preocupado com a perda de tração da economia brasileira, cujo baixo crescimento nos últimos anos surpreendeu até os mais pessimistas. Finalmente, há a questão política do calendário eleitoral. A vitalidade remanescente do mercado de trabalho, como mencionado, é talvez a maior arma da situação, e zelar pela sua sobrevida até o momento da ida do Brasil às urnas deve ser uma preocupação central dos estrategistas do governo.

Ironicamente, para o Banco Central, o trunfo do governo no emprego é um dos entraves a que cumpra sua missão de minar o trunfo da oposição, controlando a inflação. A permanência do mercado de trabalho aquecido é um certo enigma, com explicações que provavelmente são múltiplas, mas certamente é também um obstáculo à estratégia desinflacionária do Copom.

Fernando Dantas é jornalista da Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

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Esta coluna foi publicada pela AE-News/Broadcast na sexta-feira, 21/3/14.

Opinião por Fernando Dantas
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