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Economia e políticas públicas

Opinião|Imposto de Renda e eleição

Manoel Pires, ex-secretário de Política Econômica da Fazenda, diz que proposta de reforma do IR deve desonerar classe média baixa e estimular consumo da baixa renda em 2022.

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Foto do author Fernando Dantas
Atualização:

A proposta de reforma do Imposto de Renda (IR) enviada pelo governo é um plano que vai desonerar a classe média baixa e estimular o consumo da baixa renda no ano eleitoral de 2022.

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A constatação é de Manoel Pires, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e atualmente pesquisador associado do Ibre-FGV e pesquisador da UnB. Ele escreveu um artigo detalhado sobre a reforma do Imposto de Renda no Observatório de Política Fiscal do Ibre.

Aquele comentário de Pires não é nem uma crítica nem um elogio ao programa, mas sim uma análise das propostas com mira nos prováveis resultados. De forma geral, Pires vê acertos e riscos na proposta do governo, e muito vai depender do detalhamento, da implementação "e, sobretudo, do que vai ser aprovado".

Pires acrescenta que é possível que o governo ainda consiga aumentar alguma coisa o resultado primário de 2022 se, como muitos julgam, o resultado total das mudanças propostas - incluindo turbinar o Bolsa Família com recursos carimbados da nova taxação de lucros e dividendos - for liquidamente positivo.

Para o economista, o projeto do governo tem um impacto redistributivo relevante, já que a tributação de lucros e dividendos vai pegar faixas elevadas de renda, ao mesmo tempo em que gera recursos para aumentar a faixa de isenção do IR e reescalonar as faixas seguintes.

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Essas última medidas, na visão de Pires, são benéficas para segmentos de classe média baixa.

Ele também vê lógica na conjunção da redução da alíquota das Pessoas Jurídicas com o fim dos juros sobre capital próprio (JCP).

"É como uma ampliação da base do imposto com redução de alíquota", diz o economista.

Ele nota que o JCP é um dispositivo que em tese se contrapõe à tendência, estudada em finanças corporativas, de a tributação estimular as empresas a se endividarem - na medida em que juros são deduzidos do lucro, o que leva esta opção de financiamento a ser preferível em relação ao aporte de recursos do acionista.

Segundo Pires, entretanto, estudos feitos sobre o JCP apontam que o dispositivo não eliminou aquele viés, tornando-se "uma dedução fiscal apenas".

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No caso da tributação dos fundos de investimento, o economista pensa que as medidas propostas - como as que afetam os fundos fechados de investimento, eliminando-se a vantagem de a taxação ocorrer apenas no momento do saque, tornando-se retroativa - "alinham um pouco mais os tributos financeiros", o que vê como positivo.

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Ele menciona, porém, as críticas que já vem sendo feitas às propostas do governo para o IR. Com a dedução até R$ 20 mil mensais do imposto sobre lucros e dividendos para micro, pequena e médias empresas, há um favorecimento talvez excessivo para as MPEs, cujos proprietários e sócios são muitas vezes pessoas ricas.

No caso do alinhamento da tributação dos fundos, ainda há os que ficam de fora, como LCAs e LCIs. É há quem argumente que a tributação de lucro e dividendos e o fim do JCP podem desestimular o investimento, considerando que a redução do IRPJ não compensa os efeitos.

Mas Pires considera que talvez a parte mais sensível da discussão seja política, sobre se haverá ou não aumento da carga tributária.

Numa conta simples, uma tributação de 20% sobre lucros e dividendos de cerca de R$ 359 bilhões por ano produz um aumento de arrecadação de R$ 71 bilhões.

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Mas claro que a taxação leva a uma mudança comportamental, e menos lucros e dividendos devem ser distribuídos. Esse efeito, evidentemente difícil de estimar, tem que entrar na conta.

O governo prevê, por conta da introdução do imposto sobre lucro e dividendos, de aumento da arrecadação de R$ 18,5 bilhões em 2022, R$ 54,9 bilhões em 2023 e R$ 58,15 bilhões em 2024.

O governo diz que o pacote de mudanças no IR é neutro em termos de arrecadação. Porém, como nota Pires, se isso for verdade, o reforço do Bolsa-Família com verbas carimbadas da taxação de lucros e dividendos ainda assim aumentará a dívida pública.

A suspeita dos analistas é de que, na verdade, as mudanças não sejam neutras, caso em que o governo poderia, como notou Pires, reforçar a renda da classe média baixa e dos pobres e até sobrar alguma coisa para o resultado primário.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

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Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 1/7/2021, quinta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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