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Economia e políticas públicas

Opinião|Inflação foi alta em 2020 - é muito grave?

2020 trouxe uma grande surpresa inflacionária relacionada a efeitos (alguns não esperados) da pandemia e das políticas públicas para combatê-la no Brasil e no mundo. Para 2021, há um forte desafio para o BC, mas analistas ainda veem inflação na meta.

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Atualização:

O IPCA, índice de inflação oficial do regime de metas, coroou o ano com mais uma forte surpresa altista em dezembro, quando registrou 1,35%, para fechar 2020 em 4,52%.

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A pandemia naturalmente complicou muito a vida de quem projeta a inflação profissionalmente. Assim, as projeções do IPCA de 2020 tiveram um movimento de gangorra ao longo do ano passado. Tomando-se a mediana do Focus, começaram o ano em 3,6%, caíram até um mínimo de 1,52% em junho, e, agora em 8 de janeiro, logo antes de sair o IPCA de dezembro, estavam em 4,37%  - abaixo, portanto, do resultado oficial.

Em meados de 2020, quando a mediana do IPCA (de 2020) caiu para cerca de 1,5% no Focus, alguns analistas mais ousados chegaram a prever inflação abaixo de 1% no ano passado.

Em termos formais, qualquer resultado abaixo de 2,5% seria pior para o BC, pois ficaria abaixo do intervalo de tolerância de 1,5 ponto porcentual (pp) em torno da meta do ano de 4%. Já o resultado final, de 4,52%, está confortavelmente no intervalo de tolerância.

No entanto, há que considerar que as metas são cadentes para os próximos anos - 3,75% em 2021, 3,5% em 2022 e 3,25% em 2022 - e que, em apenas seis meses, de julho a dezembro, o mercado foi surpreendido em relação a seus prognósticos em nada menos que 3 pontos porcentuais (pp), a diferença entre a projeção de 1,5% de junho e o resultado de 4,5% do ano.

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Tudo indica, portanto, que há um problema inflacionário para o Banco Central, ainda mais levando em conta que a Selic está em 2%, e portanto o juro básico não só real, mas também nominal, está em franco território negativo.  Para completar, está sacramentado entre analistas e BC que o IPCA em 12 meses deve subir para as cercanias de 6% em meados de 2021, antes de supostamente recuar para mais abaixo ou próximo da meta de 3,75% em dezembro.

Se, à primeira vista, a impressão é de que o alarme inflacionário está soando em alto volume, uma análise mais detalhada indica que a situação, ainda que preocupante, não é desesperadora.

A surpresa inflacionária do ano passado não é difícil de entender - depois de ocorrida, claro. No final do segundo trimestre, a impressão é de que a economia ruiria muito mais com a pandemia do que o de fato viria a ocorrer. Houve deflações substanciais do IPCA mensal, e o cenário era de terra arrasada na atividade, tragando para baixo todos os preços.

Vários fatores interligados impediram que isso acontecesse. O auxílio emergencial e outros programas fizeram com que a renda subisse, em vez de cair. Fenômenos semelhantes ocorreram em outros países. A China e outros países orientais superaram de forma surpreendentemente veloz o pior da pandemia. A vacina veio mais rapidamente do que se imaginava no início.

Esses fatores combinados puseram as commodities em alta. As principais matérias-primas agrícolas ainda estão se elevando, o petróleo recuperou-se do mergulho inicial e o minério de ferro e outros metais também subiram com vontade.

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Por diversos motivos, entretanto, o dólar teve alta em relação ao resto das moedas. E, no caso de países emergentes com significativas fragilidades macroeconômicas, como o Brasil na parte fiscal, a aversão ao risco provocada pela pandemia intensificou a desvalorização.

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A combinação, incomum para o Brasil, de commodities em alta e real sofrendo uma fortíssima desvalorização levou os índices de preços ao atacado e produtor a níveis elevadíssimos, que não se viam há muito tempo.

A consequência principal dessa combinação de fatores para o IPCA foi um fortíssimo choque de alimentos em 2020. A alimentação domiciliar subiu estratosféricos 18,15% no ano passado e, segundo o economista André Braz, especialista em inflação do Ibre/FGV, o item "alimentação e bebidas" explica 60% de toda a inflação de 2020.

Já em relação a dezembro, a bandeira vermelha patamar 2 decretada pela Aneel responde, segundo Braz, por 0,4 pp da inflação de 1,35% no mês passado. Como se voltou à bandeira amarela em janeiro, esse efeito com certeza é transitório.

Para 2021, o Focus aponta IPCA de 3,34%, confortavelmente abaixo da meta de 3,75%.

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Mas vários analistas veem uma situação bem mais apertada. Na verdade, há muita incerteza e vários fatores poderão influenciar significativamente o resultado do ano.

A persistência do choque de alimentação é um deles. Não se espera de forma alguma a repetição do ocorrido em 2020, mas Braz, por exemplo, acho que o mercado está com uma visão de dissipação do choque rápida demais, levando em conta a volatilidade do câmbio, que voltou para R$ 5,4, e a força das commodities neste início de ano.

Já Fernando Rocha, sócio e economista-chefe da gestora JGP, vê alta de cerca de 4% na alimentação fora do domicílio em 2021, com risco de ser menor - se ocorrer, um ponto favorável para o BC.

O efeito na atividade e na inflação do fim do auxílio emergencial é outro fator crucial.

Braz e Rocha frisam que os serviços se mantiveram excepcionalmente desinflacionados em 2020, por razões óbvias. Mesmo voltando a um comportamento mais normal em 2021, devem permanecer como um fator benigno em termos inflacionários.

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Mais preocupante, nota Rocha, são os preços administrados, que foram represados em 2020, como no caso de medicamentos, planos de saúde e transporte urbano. Isso pode levar a altas compensatórias este ano.

Nos bens duráveis, há ainda há muita inflação dos índices de preço ao produtor e atacado que não chegou ao consumidor, um problema que se torna mais agudo se o real permanecer tão desvalorizado e volátil.

Tanto Braz quanto Rocha veem inflação cravada na meta em 2021, 3,75% no caso do primeiro, 3,8% no do segundo, mas com risco de chegar a 4%.

Na verdade, mais que um problema inflacionário, o BC tem um problema de elevadíssima incerteza. É dado como certo que a Selic vai se elevar durante este ano, tendo em vista as metas de inflação de 2022 e 2023. O cenário ideal é que isso ocorra de forma gradual e tranquila. Mas não se descarta que uma piora mais aguda do cenário inflacionário possa levar a um movimento mais drástico.

No pano de fundo, a volta ao ajuste fiscal estrutural gradativo - que estava em curso e foi interrompido pela pandemia - poderia fortalecer o real e ajudar o BC. Mas, como todo mundo sabe, essa é outra enorme incerteza.

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Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 12/1/2021, terça-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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