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Economia e políticas públicas

Opinião|Já é governo em crise?

Bolsonaro não dá mostras de aprender com erros e popularidade começa a cair, em meio às muitas confusões aprontadas pelo presidente e filhos.

Foto do author Fernando Dantas
Atualização:

A prisão de Michel Temer e de Moreira Franco catalisou uma piora nos ativos brasileiros nessa quinta-feira (21/3), mas parece mais a gota d'água que entornou o caldo. A grande má notícia é o mergulho da popularidade presidencial desde janeiro mostrado ontem pelo Ibope.

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Como diz o cientista político Cesar Zucco, da Ebape/FGV, "o governo Bolsonaro dá a impressão de já estar fazendo água".

A situação é preocupante para as perspectivas de aprovação da reforma da Previdência (e do timing e grau de diluição), porque Bolsonaro até agora não deu sinais de que seja capaz de aprender com os erros.

"Se entrar em junho com popularidade em queda, e ele pedir para o Congresso, que não é dele, botar a cara para aprovar um negócio impopular de um presidente que, a esta altura, já será visto como ruim e impopular, a situação vai ficar difícil", acrescenta Zucco.

Um bom resumo da encrenca foi "tuitado" hoje (em inglês) por Brian Winter, editor-chefe da publicação Americas Quarterly:

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"O maior problema com a popularidade em queda de Bolsonaro: toda a estratégia legislativa deles está baseada em ele ser popular. Eles na maior parte dos casos evitaram a política fisiológica tradicional, em vez disso gritando para o Congresso - 'Somos populares demais para vocês resistirem.' E agora?"

O cientista político Carlos Pereira, também da Ebape/FGV, é outro que vem batendo na tecla. Quando Bolsonaro optou por romper com o presidencialismo de coalizão, não montando uma base de apoio formal no Congresso e não distribuindo os cargos do governo de acordo com a representatividade de cada partido nela, o presidente apostou num caminho de alto risco.

Nesses casos, o que vale é a popularidade presidencial, principalmente em início de mandato, com a qual o mandatário consegue dobrar o Legislativo para aprovar sua agenda. Entretanto, a literatura de Ciência Política indica que, tipicamente, quando acaba a lua de mel e o novo presidente começa a enfrentar problemas políticos e se enfraquece, as lideranças parlamentares se "vingam" da estratégia de tudo ou nada inicial contra elas empregada. E tratam de enfraquecer ao máximo um presidente em que não confiam e que, reciprocamente, também não confia nelas.

O problema com Bolsonaro é que mal parece ter havido lua de mel. Antes mesmo de assumir, o presidente já era atingido por petardos como o escândalo da "rachadinha" envolvendo o senador Flávio Bolsonaro nos seus tempos de Assembleia Legislativa no Rio.

A partir daí, Bolsonaro,filhos e alguns ministros protagonizaram uma série de fatos que parecem só ter agradado às alas mais radicais de seus apoiadores, e, às vezes, não agradaram ninguém: as bizarrices e trapalhadas de ministros como Ernesto Araújo, Ricardo Vélez Rodrigues e Damares Alves, a feia briga que levou à saída de Gustavo Bebianno, as denúncias de envolvimento de Flavio Bolsonaro com milícias, a proximidade social dos assassinos de Marielle com Bolsonaro (o que não quer dizer envolvimento), os tuítes estapafúrdios de Carnaval, as declarações contra imigrantes brasileiros, entre outros casos.

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No que depende dele, Bolsonaro está dando tantos tiros no pé quanto consegue. Mas há também o desafio salgadíssimo de governar o Brasil com a agenda de um imenso ajuste fiscal à frente.

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O governo está sendo criticado pela economia pífia da proposta de reforma da Previdência dos militares, mas Bolsonaro foi, de fato, o primeiro presidente a pautar esta questão de forma mais ampla desde a redemocratização. Este era um problema do qual ele não conseguiria fugir, ainda mais pela importância dos militares em seu governo.

O problema, porém, é que a dinâmica de reformas da Previdência no Brasil indica - como nota Ricardo Ribeiro, analista político da consultoria MCM - que, diante dos reclames gerais de que a reforma dos militares não é suficientemente dura, o desfecho mais provável é que a mantenham assim, ou quase assim, e que diluam também as mudanças de outros grupos de pressão poderosos. Isto é, não se eleva a reforma dos militares à dureza da proposta dos outros segmentos, mas se rebaixa a reforma dos outros segmentos à generosidade da proposta dos militares.

Zucco, da Ebape, observa que a aliança de grupos heterogêneos da candidatura Bolsonaro - radicais de direita, militares, liberais e antipetistas em geral - foi muito mais fácil de manter durante a campanha do que no governo. E, já que é assim, a opção de Bolsonaro parece ter sido a de continuar em campanha.

Dessa forma, o presidente não se antecipa e coordena a ação conjunta desses grupos, estabelecendo prioridades e hierarquias, mas simplesmente deixa que os problemas estourem e busca resolver depois. Acaba desagradando a gregos e troianos, o que também é verdade na proposta da reforma da Previdência dos militares.

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De qualquer forma, a situação parece caminhar a passos rápidos para o que poderia ser descrito como "um governo em crise", embora ainda não se tenha chegado lá e, em teoria, ainda seja possível mudar o curso. O assustador é que esteja se discutindo isso antes dos célebres primeiros 100 dias. Na verdade, nem 90 transcorreram até agora.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 21/3/19, terça-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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