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Economia e políticas públicas

Opinião|Já não bastam juras de amor

Analistas consideram que governo terá de dar mostras concretas de compromisso, se quiser estender lua de mel com o mercado.

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Atualização:

Cresce a convicção entre os analistas de que a lua de mel do governo Temer com os mercados têm data prevista para acabar, podendo ser prorrogada apenas se determinadas condições forem cumpridas.

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Assim, há um timing que vai até aproximadamente o fim deste ano, durante o qual alguns pré-requisitos mínimos têm que ser cumpridos para que a lua de mel não se transforme de forma súbita em divórcio. Basicamente, o impeachment tem que ser definitivamente confirmado pelo Senado e a PEC do limite do crescimento dos gastos têm que ser aprovada pelo Congresso. Outra pré-condição é aprovação do projeto de lei complementar (PLC) da renegociação da dívida dos Estados.

Em relação à PEC, admite-se um espaço bem pequeno para as tradicionais barganhas e mudanças pelas quais quase qualquer peça legislativa passa na tramitação no Parlamento. Qualquer desfiguração maior já configura caso para ruptura do enlace amoroso. Adicionalmente, espera-se que a PEC incorpore também limites de gastos para os Estados, que obtiveram da União um acordo que lhes deu fôlego financeiro adicional.

Mas a visão que vêm se tornando mais forte entre os analistas é de que apenas esses pré-requisitos mínimos não bastam para uma relação saudável e duradoura entre mercado e governo. Generaliza-se a crítica de que Henrique Meirelles e sua notável equipe econômica têm abusado dos galanteios e gestos simbólicos, mas feito pouco em termos de dar bases mais sólidas ao casamento.

Assim, muitos grupos de pressão foram aquinhoados com negociações generosas por parte do dono do cofre, como é o caso de Estados, funcionários públicos - com destaque para juízes - e beneficiários do Bolsa-Família. De concreto, em relação ao necessário ajuste fiscal, há apenas a PEC - vista por alguns como uma carta de intenções engenhosa, mas carente de mecanismos que efetivamente garantam a sua implementação - e a promessa de uma reforma da Previdência cujos detalhes, onde mora o diabo, ainda não foram divulgados, e que dificilmente terá efeitos fiscais muito poderosos por alguns anos.

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Nesse quadro, o que se comenta é que, se quiser prolongar a lua de mel, o governo terá de dar um jeito de apresentar até o final do ano um algo a mais fiscal. Isto é, uma demonstração mais concreta da sua capacidade de cometer aqueles atos realmente difíceis para um governante: cortar despesas ou elevar tributos.

Não está muito especificado o que e como teria que ser o algo a mais, mas certamente tem que ser algo que não pareça mais do mesmo cardápio que o governo do presidente em exercício, Michel Temer, ofereceu até agora. Por exemplo, um cenário em que se apresentasse até o fim do ano um projeto de reforma da Previdência na sua versão mais dura - e em que os articuladores políticos do governo conseguissem arrancar uma reação inicial relativamente favorável do Congresso - poderia ser parte desse agrado extra que o mercado exigiria para prolongar a lua de mel.

O mesmo pode ser dito - incluindo a capacidade do governo de transmitir a factibilidade política - em relação à reforma trabalhista, embora não seja um tema diretamente fiscal, ou de algo relativo ao abono salarial, como a extinção ou redução drástica do benefício.

Embora ferramenta menos prezada pelo mercado do que o corte de gastos, alguma iniciativa forte na área de aumento de tributos, que de fato fizesse uma diferença em termos fiscais, também poderia ajudar a não envenenar o clima amoroso entre governo e mercado.

O fundamental, segundo essa leitura, é que Temer e Meirelles não deixem a chama apagar, e que, portanto, deem novas mostras de comprometimento com o ajuste fiscal antes que o ano se encerre. A ver se o governo vai atender às exigências do mercado, ou se jogará todas as fichas na sua capacidade de seduzir dando o mínimo em troca. (fernando.dantas@estadao.com)

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Fernando Dantas é jornalista do Broadcast.

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 1º/8/16, segunda-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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