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Economia e políticas públicas

Opinião|Juro zero nos EUA por muitos anos?

Uma das mais importantes discussões econômicas da atualidade é o que vai acontecer a médio e longo prazo com as taxas de juros norte-americanas, que estão no centro do sistema financeiro internacional. Uma visão convencional é de que, por mais traumático e prolongado que seja o atual período pós-crise global, em que as taxas de curtíssimo prazo caíram para virtualmente zero, a economia americana vai acabar retornando à normalidade, e os Fed Funds (taxa básica) voltarão para mais próximo dos seus níveis históricos.

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Atualização:

É bem possível, de acordo com muitos analistas, que a nova normalidade se dê com níveis de crescimento potencial e de juros neutros abaixo dos que prevaleceram antes da crise.

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Porém, caminhando nessa linha de raciocínio, mas indo um pouco mais longe, já há quem preveja que o juro real dos Fed Funds possa permanecer em zero por um período bem mais longo (na verdade, hoje eles estão negativos, porque há inflação e a taxa nominal está em praticamente zero - mas a expectativa mais normal é de que, com a normalização da política monetária, eles voltem ao terreno positivo).

Segundo um relatório de julho deste ano da consultoria canadense "The Bank Credit Analyst", o Federal Reserve (Fed, banco central americano) pode manter uma taxa média real de Fed Funds de zero ao longo de todo o próximo ciclo econômico.

O documento ressalva que isso não significa que o Fed não elevará a taxa básica real acima de zero em nenhum momento. Mas, supondo a possibilidade de que a ameaça de mais uma recessão possa obrigar o BC americano a levar de novo os Fed Funds nominais a praticamente zero (depois de um período de normalização), a taxa média real ao longo do ciclo econômico pode ser zero.

A visão econômica do "The Bank Credit Analyst", na qual se baseiam as previsões acima, é muito pessimista. A consultoria nota que "o hiato do produto continua muito alto, e, apesar das fanfarras de que o nível de emprego agora retornou ao seu pico pré-crise, o número de trabalhadores de tempo integral empregados ainda está 3,1 milhões abaixo do pico em novembro de 2007".

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Assim, citando estudo do FMI pelo economista Andrew Levin, que foi assessor de Janet Yellen, chair do Fed, o relatório da consultoria nota que o "hiato total do emprego" caiu apenas pela metade em relação ao seu pior momento em 2009. O hiato total leva em consideração o desemprego, a taxa de participação (população economicamente ativa em relação à população em idade de trabalhar) e o emprego de tempo parcial. Isto, por outro lado, se reflete na ausência de qualquer pressão inflacionária de natureza salarial nos Estados Unidos.

Segundo a consultoria, "a implicação é que o Fed provavelmente não vai começar tão cedo a elevar os juros; e, quando de fato começar, o nível de juros que será alcançado pode acabar sendo mais baixo do que o esperado pelo mercado".

O documento ainda estima que a demanda, na ausência de mais uma bolha residencial estimulada por crédito, deve permanecer 3% do PIB abaixo do nível pré-crise, o que forçará o Fed a manter os Fed Funds reais em zero ao longo do próximo ciclo econômico.

O estudo considera que uma das razões principais pelas quais a taxa neutra nos Estados Unidos caiu foi uma mudança comportamental do consumidor americano. Segundo o documento "o trauma da Grande Recessão minou a mentalidade de 'compre até cair' ("shop till you drop") de antes da crise; à medida que as pessoas tornaram-se menos interessadas em absorver novas dívidas e ficaram mais focadas em tomar passos para garantir sua segurança financeira futura, a preferência intertemporal ("time preference) caiu".

A preferência intertemporal é quanto de consumo futuro uma pessoa exige para adiar consumo presente. Quanto maior, indica mais propensão ao consumo presente.

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Em relação à área do euro, a consultoria é ainda mais pessimista, prevendo uma "japanização". "Se a taxa neutra é baixa nos Estados Unidos, é ainda mais baixa na zona do euro, onde o crescimento potencial é mais lento e o processo de desalavancagem está menos avançado", diz o relatório.

Fernando Dantas é jornalista da Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Esta coluna foi publicada pela AE-News/Broadcast em 9/7/14, quarta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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