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Economia e políticas públicas

Opinião|"Legado fiscal será positivo"

Para Alexandre Manoel, da AZ Quest, juros reais elevadíssimos precificados na curva de juros brasileira pressupõem piora muito forte da política fiscal no próximo governo ? já que no atual, apesar de altos e baixos e comunicação muito ruim, condução das contas públicas foi a mais responsável em muitas décadas.

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Atualização:

Os juros reais precificados pelo mercado, de até 6-7%, num horizonte de vários anos, embute uma visão de que a política fiscal brasileira nesses mesmos prazos será irresponsável. E, inclusive, insustentável, já que, com dívida líquida na casa dos 60% do PIB, e bruta de 80%, além de baixo crescimento, o País não tem como suportar uma carga de juros dessa magnitude.

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Por outro, na realidade presente, nada disso está acontecendo. A política fiscal tem entregado resultados cada vez melhores, e o juro real efetivamente ocorrido é muito baixo. No momento, A Selic está em 11,75% e deve ir para 12,75%. A inflação acumulada em 12 meses está em torno de 11-12%.

Quem assim descreve a conjuntura atual é Alexandre Manoel, sócio e  economista-chefe da AZ Quest, com experiência no setor público no Ministério da Fazenda.

Em relação à situação fiscal, ele aponta dados mencionados por Luiz Guilherme Schymura em artigo de hoje no Valor Econômico - e baseados na Carta do Ibre de maio, do mesmo autor, com base em trabalho de Manoel Pires, da mesma instituição.

O Brasil realizou uma melhora imensa no resultado primário de 2020 para 2021, saindo de -10% para -0,4% do PIB. As projeções para o mesmo indicador em 2022 saíram de -1,4% para -0,45% do PIB entre outubro do ano passado e março deste ano.

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Entre 40 países avançados e emergentes que constam de comparação do FMI, relativa à evolução do primário e da dívida bruta entre 2019 e 2021, o Brasil foi o segundo melhor no primeiro quesito e está entre os dez primeiros no segundo.

Por outro lado, naquela mesma base de comparação anterior, entre outubro de 2021 e março de 2022, a expectativa de mercado para a trajetória da dívida bruta até 2031 piorou. A razão claro, é a expectativa de juros reais mais altos.

Mas justamente aqui volta-se a um dos pontos iniciais de Alexandre Manoel. Até agora, na prática, ou "ex-post" para usar a linguagem dos economistas, não aconteceram os juros reais elevadíssimos. Com certeza eles subirão no processo de debelar a inflação, até por conta de que esta cairá. Mas o cenário de juros reais duradouramente mais altos contempla a aposta de que a política fiscal vai dar uma forte virada para pior.

O economista considera que a política fiscal desde 2019, em que pesem confusões, erros e comunicação muito ruim, foi quase que ineditamente responsável no panorama brasileiro das últimas décadas.

Uma robusta reforma da Previdência foi realizada em 2019. As despesas e o déficit primário subiram fortemente em 2020, ano inicial da pandemia e auge da quarentena, mas voltaram rapidamente ao prumo em 2021.

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Apesar de vigoroso ganho de arrecadação a partir do ano passado - e ao contrário da política fiscal do passado -, as despesas obrigatórias permaneceram rigidamente controladas, sem nenhum aumento real de salário mínimo ou reajuste nominal aos servidores.

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A forma mal conduzida pela qual o teto foi modificado no início do ano - além do fato em si - levou Manoel a temer que a política fiscal fosse sofrer forte deterioração neste ano eleitoral.

Porém, para o economista, essa perspectiva mais alarmista não se materializou até agora.

Ele nota que há uma série de iniciativas parafiscais, como extensão de programas especiais de crédito da pandemia e liberação de FGTS. As primeiras se dão com recursos que retornaram da fase anterior dos programas, e o FGTS é um instrumento contracíclico que vem sendo usado pelos últimos governos. Não se caracteriza ruptura relevante de disciplina fiscal.

Há a questão espinhosa do reajuste do funcionalismo, e Manoel é particularmente crítico de um aumento de 5%  - uma de várias hipóteses que vieram a público - pelo seu potencial de sinalizar indexação nesse nível, quando a meta de inflação converge para 3% em 2024.

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E há também as desonerações que vêm sendo realizadas pela equipe econômica, que, pelo menos, na visão do economista, são horizontais.

No conjunto da obra, na sua interpretação, não é que a política fiscal no ano eleitoral esteja impecável, longe disso, mas não chega nem perto de representar uma volta ao padrão pré-2015.

Manoel nota que a inflação pós-pandemia, no Brasil e no mundo, é um fenômeno de difícil compreensão e hoje não se sabe exatamente todo o roteiro que os bancos centrais terão de seguir para controlá-la.

Ainda assim, se o governo a partir de 2023 não jogar fora o que foi realizado na parte fiscal, é provável que, com a inflação gradativamente controlada, a atual precificação exorbitante de juros reais, a perder de vista, retroceda para níveis normais, removendo esse fantasma da equação de sustentabilidade da dívida pública.

E ainda existe, de quebra, a perspectiva de um ciclo positivo de preço de commodities.

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"Um ciclo de commodities com controle da despesa pode fazer com que esse ajuste seja muito mais rápido do que se estima", conclui o economista. Mas tudo depende de o próximo governo perseverar na política fiscal.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 3/5/2022, terça-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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