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Economia e políticas públicas

Opinião|Lula não é bom para Bolsonaro e é péssimo para o centro

Volta do ex-presidente como potencial candidato presidencial em 2022 é desafio difícil para Bolsonaro e põe a via centrista em situação crítica.

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Atualização:

A volta plena de Luiz Inácio Lula da Silva à arena eleitoral em 2022, com a decisão de Facchin de anular as condenações do ex-presidente, sacudiu de alto a baixo o cenário político e econômico brasileiro.

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O cientista político Fernando Abrucio, da EAESP/FGV, considera que os atores políticos e econômicos demoraram para entender a importância de Lula em 2022, mesmo antes da decisão de Facchin.

"Mesmo agora, o Lula ainda tem a opção de ser ou não ser o candidato, mas em qualquer uma dessas alternativas ele será extremamente influente".

Há várias razões para isso, segundo o analista. Lula estará solto e poderá ir às ruas e viajar com seu candidato, caso não seja ele mesmo a se candidatar. Bolsonaro terá pouco a entregar com seu desgoverno. E o que estará em julgamento em 2022 será o bolsonarismo - aumentando a importância do antibolsonarismo -, provavelmente mais do que o petismo e o antipetismo.

Abrucio considera que o centro, caso queira ter alguma chance de ser competitivo em 2022, tem que se dedicar energicamente a duas tarefas.

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A primeira é cerrar fileiras em torno de um só candidato. A segunda é compreender que seu grande adversário é o atual presidente, e partir para tentar destruí-lo politicamente com todo o afinco.

Na visão do cientista político, o PT, com Lula ou outro nome, como Fernando Haddad, está com vaga no segundo turno de 2022 praticamente garantida.

O antipetismo ainda poderá ser significativo, mas será menor do que em 2018, quando Haddad foi para o segundo turno. E agora Lula poderá, por exemplo, ir em caravana pelo Nordeste como cabeça de chapa, ou apoiando seu candidato. A posição do PT no primeiro turno de 2022 será mais forte do que em 2018.

Assim, a chance de o centro ir para o segundo turno é tirar o próprio Bolsonaro da disputa. Isso pode ser buscado até de forma mais drástica, lutando por um impeachment agora, ou pelo menos fazendo de tudo para que o presidente chegue a 2022 como um "lame duck" ("pato manco", expressão que significa esvaziado de poder político efetivo).

Abrucio vê os próximos três meses como possivelmente os piores para Bolsonaro. E, portanto, a melhor oportunidade para atacá-lo, o que no limite poderia chegar a uma tentativa de impeachment.

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"Se a aprovação do Bolsonaro cair para perto de 20%, a pressão para impeachment será forte", diz o analista.

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Os próximos três meses também parecem a Abrucio o melhor momento para o eventual candidato de um centro unificado ser lançado.

A razão é que esse período, nas palavras do cientista político, será um "buraco vacinal", em que haverá recordes de mortes diárias pela pandemia - o próprio Ministério disse que a média poderia chegar a 3 mil -, com efeito devastador sobre a economia.

A partir do segundo semestre, com a vacinação mais adiantada, a pandemia pode ser gradativamente contida e a situação econômica normalizada. Ainda assim, com toda a balbúrdia e incompetência do governo, ele não vê recuperação econômica suficiente para levar Bolsonaro a uma posição de grande favoritismo no ano que vem.

Carlos Melo, cientista político do Insper, nota que Lula poderá fazer agora algo que a oposição a Bolsonaro vinha mostrando dificuldade em realizar: aglutinar o antibolsonarismo e obrigar o presidente a pagar politicamente pelos erros em série da sua gestão caótica e irracional - especialmente da pandemia.

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"O Bolsonaro erra, erra, erra, mas ninguém capitaliza, não há um rosto que expresse o antibolsonarismo; agora, com Lula isso pode mudar", diz  Melo.

Nesse sentido, ele considera ilusória a análise de que Bolsonaro ganha com a volta de Lula à rinha presidencial.

Melo não tem certeza se Lula vai optar por "ir para o campo de batalha imediatamente", mas nota que o ex-presidente está relativamente bem-posicionado para fazer contrapontos e comparações com o atual mandatário.

Bolsonaro pode chamar Lula de "comunista", mas isso é algo que só deve ter ressonância junto à base ideológica mais ardente do presidente. Bater no tema da corrupção lulista fará com que o atual presidente tenha que discutir temas incômodo como o escândalo de Flávio Bolsonaro e a aquisição pelo filho da mansão de R$ 6 milhões em Brasília.

Pelo lado da competência em governar, é difícil para Bolsonaro apontar o dedo para Lula tendo Eduardo Pazuello como ministro da Saúde e tendo agido como agiu em relação à pandemia.

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Mesmo a crítica à política econômica do PT torna-se difícil se Bolsonaro não fez quase nada da agenda liberal de Guedes e inclusive ameaça desandar no populismo agora. A situação econômica em si até 2022 dificilmente será um trunfo eleitoral.

Nesse sentido, o cientista político pensa que Bolsonaro pode radicalizar para manter a "ordem unida" junto a sua base mais fiel, como estratégia para garantir um lugar no segundo turno.

Melo considera que o centro sofreu um forte golpe com a volta de Lula ao cenário presidencial.

"O centro teve muito tempo para encontrar um rosto mas não conseguiu se articular", ele diz, citando potenciais candidatos como Luciano Huck, João Doria e Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul.

O cientista político nota que, nesse vácuo, o eleitor de centro "pode ser definir antes", caminhando para Lula ou Bolsonaro.

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A derrota de Rodrigo Maia (do seu candidato) na disputa pela presidência da Câmara também foi ruim para a articulação centrista, nota Melo.

Costura

Maia, mesmo não sendo ele mesmo um candidato viável, conversava com todos os postulantes, e parecia ter condição de conduzir essa costura. Com a sua saída da presidência da Câmara, porém, ficou claro que seu poder derivava mais daquele papel institucional do que de um cacife político pessoal.

Já para Carlos Pereira, cientista político da Ebape-FGV, "Lula e Bolsonaro se retroalimentam". Com as condenações de Lula revertidas, ele acha que a polarização nacional vai se intensificar e a disputa presidencial de 2022 será definida por qual das duas forças é maior: o antipetismo ou o antibolsonarismo.

Quanto aos possíveis caminhos de Lula como candidato (ou apoiador de uma candidatura), Melo, do Insper, considera que estão muito em abertas.

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Ele nota que "o Lula que saiu da prisão não foi um Nelson Mandela ou um Pepe Mujica, mas um político radicalizado e revoltado". Esse poderia ser o Lula candidato, o que talvez até ajudasse a alimentar a narrativa antipetista de Bolsonaro.

No extremo contrário, há o Lula de maio de 2002, buscando o centro e fazendo a "carta ao povo brasileiro".

"As condições no Brasil são tão complicadas que até o Lula poderia envergar uma bandeira de reconstrução nacional", ele observa.

Para Abrucio, "num primeiro momento Lula deve desopilar o fígado, mas isso não dura mais que um mês". Em seguida, o político deve tentar algum caminho para o centro, mas diferente de 2022. Ele lembra que Haddad se encontrou há duas semanas com Alexandre Kalil, o prefeito de Belo Horizonte, visto como um centrista carismático.

Já Pereira considera que não há caminho de volta de Lula para o centro, porque o ex-presidente já teria ido longe demais na rota oposta e dificilmente reconquistaria esse eleitor.

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Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Opinião por Fernando Dantas
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