A disseminação do coronavírus é um problema a mais para a China num momento econômico já delicado.
O crescimento de 6,1% do PIB chinês em 2019 foi o resultado mais fraco em 30 anos, só sendo superior à alta de 3,9% em 1990. A economia do país desacelerou em praticamente todos os anos desde a ascensão de Xi Jinping ao posto de presidente da China em 2013, saindo de um ritmo de 7,8% para os 6,1% de 2019.
Como aponta o economista Livio Ribeiro, do Ibre/FGV, especialista em China, a desaceleração do país não está ligada apenas à demanda externa, prejudicada pela guerra comercial com os Estados Unidos. O consumo chinês contribuiu com 3,5 pontos percentuais (pp) para o crescimento do PIB em 2019, a menor contribuição desde pelo menos 2003. O setor externo, na verdade, vem contribuindo muito pouco, em média, para o crescimento chinês desde o início deste século.
A transição de modelo econômico, pretendida pelas autoridades da China, vai na direção de mais consumo e serviços, e menos exportação, investimentos e indústria (de forma relativa). O problema é que o setor de serviços também está se retraindo em termos de contribuição para o crescimento do PIB. E o ciclo da construção civil na China dá mostras de exaustão.
O governo chinês, porém, vem reagindo.
"As linhas de atuação voltadas ao setor privado continuam a todo o vapor, com acesso a liquidez, expansão do crédito, benefícios fiscais e gastos parafiscais", aponta Ribeiro.
E há notícias boas. Do lado doméstico, os preços das proteínas (atingidos em cheio pela gripe suína) se moderaram e há sinais de recuperação da atividade. Externamente, o "armistício comercial" do Acordo Fase 1 com os Estados Unidos - que, para o especialista, está longe de resolver os pontos principais do contencioso - traz alívio de curto prazo.
O problema, porém, é que o choque do coronavírus vem exatamente no momento em que esses tímidos sinais positivos pareciam estar ganhando tração. É evidente que é cedo para estimar o efeito da doença e seu potencial contágio, mas um dos poucos paralelos que pode ser traçado é com a epidemia de SARS em 2003.
A SARS (sigla em inglês para Síndrome Respiratória Aguda Grave, doença virótica contagiosa) reduziu o PIB da China em algo entre 0,3 e 1 ponto percentual, segundo diferentes estimativas.
No caso do coronavírus, o país está sendo pego em situação mais delicada. Em 2003, a China estava numa fase de aceleração, muito ligada ao modelo exportador e de alto investimento, que levaria o crescimento do PIB de 7,7% em 1999 para 14,2% em 2007. Mesmo com o efeito da SARS, a China cresceu 10,1% em 2003, praticamente repetindo o avanço de 10% em 2002.
Agora, além de uma eventual epidemia mais séria do coronavírus pegar a China já numa trajetória de desaceleração, ela atingirá (como é típico de doenças contagiosas) com mais força justamente os setores que deveriam ser os mais dinâmicos da "nova China", os serviços e o consumo. Especificamente, os serviços correspondiam a aproximadamente 40% do PIB no evento da SARS e, hoje, se aproximam de 54% da economia chinesa.
Se o impacto do coronavírus na China for forte, certamente haverá também efeitos globais. Mas Ribeiro alerta que também não se deve exagerar - com as informações disponíveis até agora - o impacto mundial.
É verdade que, por atingir a região central e "hub" logístico de Hubei (onde fica a cidade Wuhan, epicentro do coronavírus), o potencial de disseminação parece ser maior do que da SARS, iniciada no sul da China (Hong Kong e adjacências) - também um polo econômico importante, ainda que geograficamente mais deslocado. Adicionalmente, hoje a China é uma parte maior da economia global do que em 2003.
Dito isso, ser forem tomados os padrões da SARS, o efeito econômico é mais regional, asiático, e menos intenso em outras partes do mundo. No caso da SARS, a estimativa de impacto negativo no PIB norte-americano em 2003 foi de apenas 0,07 ponto porcentual, comparado a 0,47 pp, 1,05 pp e 2,63 pp, respectivamente, para Cingapura, China e Taiwan. Mesmo a Coreia teve uma subtração de PIB de apenas 0,1 pp em 2003, por conta da SARS. Esses números estão no estudo sobre os custos econômicos da SARS dos economistas Jong-Wha Lee e Warwick J. McKibbin, da Universidade Nacional da Austrália.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 28/1/20, terça-feira.