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Economia e políticas públicas

Opinião|Mansueto: "Teto tem, sim, condição de ir até 2026".

Por: Fernando Dantas

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Rio, 05/02/2021 - Em sua primeira entrevista desde que assumiu recentemente a posição de sócio e economista-chefe do BTG Pactual, Mansueto Almeida, ex-secretário do Tesouro, diz que é possível, sim, cumprir o teto de gastos, do qual foi um dos formuladores, até a data prevista de 2026 (a partir da qual o critério de reajuste dos gastos, só pela inflação, pode ser mudado). Ainda assim, ressalta que o esforço em 2020 será grande e exigirá que o governo limite sua despesa discricionária ao menor nível desde 2009, quando o dado passou a ser calculado.

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Mansueto avalia também que se houver necessidade de um novo auxílio emergencial, o mercado não se assustará desde que o governo construa uma solução com um valor limitado - de R$ 20 bilhões a R$ 30 bilhões - e, em troca, aprove algum avanço estrutural, que melhore o cenário de finanças públicas para os próximos anos.

Broadcast - No primeiro relatório do BTG, com você como economista-chefe, está escrito que o esforço fiscal para cumprir o teto este ano caiu de R$ 16 bilhões para R$ 5 bilhões. Ficou assim tão fácil?

Mansueto Almeida - Não, o ano de 2021 vai ser muito difícil, na verdade. Possivelmente na negociação atual com o Congresso, o governo deve fazer ainda mais um corte na despesa discricionária, que deve ficar um pouco abaixo de R$ 80 bilhões. É a menor despesa discricionária desde que o Tesouro começou a calcular esse tipo de gasto em 2009.

Broadcast - É factível sem lockdown do governo?Mansueto Almeida -É possível, mas pode haver atrasos de pagamentos, como em 2003, quando os restos a pagar aumentaram. No ano seguinte, com receita, o governo colocou em dia. Mas o orçamento de 2021 não comporta frustração de receita. É de fato um orçamento muito, muito apertado. O investimento público vai para cerca de R$ 34 bilhões, 0,4% do PIB. É parecido com o que ocorreu em 1999 e 2003, anos de aumento de superávit primário. Mas há uma notícia boa.

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Broadcast - Qual?Mansueto Almeida -Havia uma ideia de que, a cada ano, seria mais difícil cumprir o teto de gastos. No mandato de Bolsonaro, portanto, o pior ano seria 2022. O governo teria que entrar no ano eleitoral cortando despesa e investimento. Mas no meio do caminho houve o descolamento de índices de inflação que ninguém esperava. O teto foi ajustado para 2021 pelo IPCA acumulado em 12 meses até junho do ano passado, de 2,13%. Mas as despesas obrigatórias de 2021 serão corrigidas pelo INPC no final do ano, de 5,45%. Os benefícios vão subir muito mais que o teto. Com 2,1% de IPCA até junho, a despesa só pode crescer R$ 30 bilhões. A notícia boa para o governo é que ano que vem é o contrário: até junho, o IPCA acumulado deve ficar em 6%. E o INPC cheio no ano deve ficar em torno de 3,7%. O movimento será inverso, e o governo em 2022 vai poder aumentar o investimento público e as despesas discricionárias. É possível que o maior investimento público do governo Bolsonaro seja em 2022, podendo chegar a R$ 60 bilhões.

Broadcast - Dá para o teto ser mantido até 2026?Mansueto Almeida -O teto tem condição de ir até 2026, sim. Como o teto vai ser corrigido em 6% em 2022, isso vai afetar também os anos posteriores. O espaço deste ano é R$ 30 bilhões. No ano que vem é R$ 90 bilhões. Em 2023, quem estiver no governo não deve ter muita dificuldade em cumprir o teto de gastos. O teto ganhou uma sobrevida para o próximo governo, ficou factível e há tempo de andar com a agenda de reformas.

Broadcast - O sr., que esteve na origem da criação do teto, acha que valeu a pena, faria de novo?Mansueto Almeida -Faria de novo, sim. A história deste País pós Constituição foi sempre fazer ajuste fiscal aumentando carga tributária. Somos um País de renda média e temos a carga tributária da Inglaterra. E temos um ajuste fiscal a ser feito. O teto trouxe o benefício enorme de ter se tornado uma educação orçamentária para os nossos congressistas, e eles mesmos gostam. Estamos vendo algo salutar, que é deputado e senador brigando por orçamento, que é o que deve acontecer nas democracias.

Broadcast - O sr. está otimista...Mansueto Almeida -Não, estou sendo realista. Há muito riscos, como o de não aceitarem o orçamento apertado este ano, começarem a fazer concurso público e dar aumento salarial. E a situação é difícil e arriscada. Mesmo cumprindo o teto, temos mais quatro anos de déficit primário, se não houver ganho de arrecadação. A dívida do Brasil é alta e de curto prazo.

Broadcast - E a prevista aprovação de um substituto para o auxílio emergencial?Mansueto Almeida -O novo auxílio possivelmente teria que ser com crédito extraordinário, o que automaticamente significa que é extrateto. Aliás, parte da despesa este ano já está no extrateto, como R$ 20 bilhões para vacina, cancelados em 2020 e reabertos este ano como crédito extraordinário. O mercado não se assustou com isso porque é um número limitado, para um fim específico. Na eventualidade de o auxílio emergencial ser necessário, se o governo constrói uma solução com um valor limitado, pequeno, e, em troca, aprova algum avanço estrutural, que melhore o cenário de finanças públicas para os próximos anos, acho que o mercado aceitaria.

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Broadcast - O que é um substituto do auxílio emergencial limitado e pequeno?Mansueto Almeida - Bem, é uma questão a se definir. Mas o que se fala por aí é de um total de R$ 20 bilhões a R$ 30 bilhões por quatro ou cinco meses. Não é nada que assuste muito.

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Broadcast - Não é muito pouco?Mansueto Almeida -O orçamento do Bolsa Família é de R$ 2,7 bilhões por mês. Estamos falando em até R$ 6 bilhões a mais por cinco meses. A conta fecha. Mas tem muitos riscos, tem que ser muito bem costurado. E tem que ser de fato necessário.

Broadcast - E que avanço estrutural na área fiscal tem chance de sair?Mansueto Almeida -O governo terá de definir negociando com o Congresso. Tem de ser algo que possa ser aprovado num período curto de tempo. Tem que ser possível criar uma viabilidade política da aprovação. E tem que ser reformas que façam o cenário fiscal ao longo dos próximos anos ser melhor do que o mercado enxerga atualmente. Se o governo não conseguir isso, fazer o auxílio e essas reformas casadas, teremos problemas.

Broadcast - Com a sua experiência no governo, o que o sr. acha que teria essas características?Mansueto Almeida -A reforma administrativa, ao permitir maior racionalidade na estrutura de salários do setor público, é relevante. Há muitos funcionários se aposentando, sem reposição. A conta de pessoal ativo tem caído. Se, quando houver um novo ciclo de concursos, já for com uma nova carreira de serviço público definida, é importante.

Broadcast - Não é muito pouco para ter um impacto positivo no mercado?Mansueto Almeida -Acho que não. Se ficar claro que mudou a dinâmica da despesa com pessoal, o mercado já incorpora, antecipa. Citei a reforma administrativa como um exemplo, é claro que não se limita a Isso.

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Broadcast - E a PEC emergencial?Mansueto Almeida -Primeiro precisamos definir o que é a PEC emergencial. Além disso, três dos quatro pontos da PEC emergencial lá de 2019 já estão em vigor: não fazer concurso público, não dar aumento para funcionário público e correção do salário mínimo pela inflação. O quarto ponto é a possibilidade de redução de carga horária e salário, a única que não está em vigor. Muito gatilho da PEC pode ser feito sem PEC. Na LDO de 2022, daqui a três meses, mesmo sem aprovar reforma nenhuma, o governo pode já deixar claro que não vai haver aumento nem contratação no serviço público, se quiser.

Broadcast - Há mais algo que possa avançar na área fiscal este ano?Mansueto Almeida -Acho que pouca atenção tem sido dada ao PLP 101, aprovado em dezembro, que reedita o regime de recuperação fiscal [de Estados]. Temos a chance de avanços e de ter um controle maior no caso do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Goiás e talvez em Minas.

Broadcast - Saindo da área estritamente fiscal, qual a sua visão econômica mais ampla sobre o Brasil no momento?Mansueto Almeida -O mundo deve voltar a crescer, puxado por Ásia e Estados Unidos, com excesso de liquidez e juros baixos. Ganhamos uma janela de oportunidade para fazer as reformas de que o País precisa. Cabe a nós aproveitar ou não.

Broadcast - Podemos crescer mais a partir do próximo mandato presidencial?Mansueto Almeida -São condições que têm que ser criadas. A gente está saindo de um ciclo de crescimento muito baixo, de muita ociosidade, e por isso é mais fácil crescer neste e no próximo ano. Para crescer de forma consistente, o próximo presidente, seja o atual ou outro, vai ter que ser necessariamente reformista. Não dá para ficar tranquilo.

Broadcast - O Centrão no comando do Congresso atrapalha o ajuste fiscal?Mansueto Almeida -Não. O Centrão ter ganhado não significa alinhamento automático com o governo. É preciso criar base política, explicar as reformas, negociar. Mas veja o governo Temer. Durante anos o MDB apoiou políticas setoriais, crédito subsidiado e, quando se tornou governo, adotou uma agenda que não era compatível com a história do partido. Agora vai depender da capacidade de os dois lados se sentarem na mesa, negociarem e encontrarem soluções factíveis.

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