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Economia e políticas públicas

Opinião|Mau humor chegou ao mercado

Presidente Jair Bolsonaro perdeu rapidamente popularidade e agora parece estar perdendo confiança do mercado também.

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Atualização:

A pesquisa recente do Datafolha sobre a popularidade presidencial mostrou que o presidente Jair Bolsonaro está perdendo muito rapidamente a componente do seu capital político ligada ao eleitorado - a mais importante.

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Mas a evolução recente das cotações dos principais ativos financeiros demostra que o capital político também está sendo corroído no front do mercado financeiro.

Traders, analistas e banqueiros são uma proporção ínfima do eleitorado, mas isto não quer dizer que estar de bem com o mercado não tenha importância política para um presidente. Dólar, juros de mercado e bolsa impactam o otimismo de investidores e até de consumidores. Além disso, criam (ou não) as condições para a economia sair do marasmo, o que afeta o eleitorado como um todo.

É difícil, porém, desembaraçar o que é componente doméstico da piora dos mercados - e que, em parte, poderia ser atribuído a erros do governo - e aquilo que vem de fora, e não é culpa de Bolsonaro (não que o eleitorado se importe com isso, mas identificar onde a atual administração do País pode melhorar ou não o seu jogo é relevante).

Livio Ribeiro, economista do Ibre/FGV, vem se especializando (é apenas um dos seus muitos focos) justamente em destrinchar o que é interno e o que é externo nas variações do câmbio e do risco Brasil, e inclusive desenvolveu um modelo para isso.

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Segundo Ribeiro, "durante fevereiro ainda estava meio a meio, mas a partir de março o componente doméstico ganhou proeminência". Ele acrescenta que "o comportamento do CDS (brasileiro) parece estar descolando dos grandes fundamentos globais, com a questão política interna 'pegando' de maneira geral".

O CDS de cinco anos (Ribeiro usa o de dez no modelo) chegou a um mínimo de 150,35 pontos base em 19 de março, subiu até um pico de 185,22 em 28 de março, e ontem foi cotado a 168,69.

Não há nenhum mistério nas razões pelas quais o ambiente interno vem tirando ânimo dos ativos brasileiros, que tiveram um firme impulso inicial com a eleição de Bolsonaro e a nomeação de Paulo Guedes para o Ministério da Economia.

A primeira é que a recuperação econômica só faz desapontar. Parte considerável das projeções de crescimento em 2019 já caminham para 1,5%, ou até menos.

A segunda razão é a recusa de Bolsonaro em fazer política para passar sua agenda no Congresso.

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Ganhou tração nas redes sociais, nas últimas semanas, uma emblemática tirinha do cartunista paulista Pietro Soldi, composta de três quadrinhos. No primeiro, um casal aproxima-se de uma mesa sobre a qual estão bule e xícaras de café, e ao lado da qual está um jumento vendado. O homem anuncia que o animal vai servi-los. No segundo quadrinho, o jumento vendado, como era de se esperar, manda a mesa e a louça para os ares com um coice. No terceiro quadrinho, com a mesa tombada e cacos e café espalhados por todos os cantos, o homem interpela a companheira: "Aposto que você torceu contra, né, Alice"?

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A tira sintetiza - não se está dizendo que necessariamente esta era a intenção original do autor - a visão de que o governo Bolsonaro está fazendo tudo absolutamente errado em termos de estratégia política, mas ainda assim seus adeptos e correligionários não só mantêm a fé de que tudo dará certo no final, como acusam os críticos de má vontade e de torcer contra.

Um alerta: meu uso da metáfora se refere exclusivamente à forma muito equivocada de atuação política do governo como um todo, e não a qualquer ataque de mau gosto à figura presidencial.

À alegoria do jumento vendado se contrapõe a ideia de que a eleição de Bolsonaro mudou completamente a forma de se fazer política no Brasil, e não se pode projetar o sucesso da sua "estratégia" (as aspas expressam a dúvida sobre se há alguma) com base nos ditames da velha política.

A piora do componente doméstico dos ativos brasileiros nas últimas semanas mostra que o mercado pode estar gradativamente despertando do sonho da "nova era" para a realidade do jumento vendado.

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O protagonismo do Centrão e do próprio PSL em complicar a aprovação da reforma da Previdência na CCJ (o que, nos tempos da "velha política", seria considerado barbada) e lutar por aumentos reais do salário mínimo reforçam a tomada de consciência do mercado descrita acima. O mesmo pode se dizer do episódio da Petrobrás e do preço do diesel, mesmo que o desfecho não tenha sido tão desastroso.

"O mercado estava muito comprado no Paulo Guedes, e agora está ajustando esta posição", resume Alexandre Pavan Póvoa, sócio-fundador da gestora Canepa, no Rio.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 17/9/19, quarta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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