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Economia e políticas públicas

Opinião|Medo exagerado da desaceleração global?

Corrente mais pessimista nos mercados internacionais vê "japanização da Europa" com risco de contaminar os Estados Unidos. Outros analistas acham que temor de nova e aguda desaceleração global pode ser exagerado.

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Atualização:

Os mercados globais viveram esta semana momentos de grande angústia ante a possibilidade de uma forte desaceleração global. Na visão dos mais pessimistas, o mundo rico está seriamente ameaçado pelo tipo de estagnação deflacionária que derrubou a economia japonesa a partir do estouro da bolha nipônica na virada dos anos 80 para os 90. O estopim recente, é claro, teria sido a grande crise global de 2008 e 2009.

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Nessa narrativa, a zona do euro já teria caído na armadilha de liquidez, e estaria caminhando para a "japanização". Os Estados Unidos, porém, junto com outros países da esfera anglo-saxã (o Reino Unido é o principal deles), se saiu melhor e ensaia uma normalização. O problema é que o empuxo da estagnação japonesa e europeia é tão forte que é bem possível que, em vez de puxar o mundo para fora da zona do perigo deflacionário, os Estados Unidos e o resto da esfera anglo-saxã podem acabar sendo tragados pela estagnação.

Um dos canais para isso é o câmbio. Com a perspectiva de subida de juros nos Estados Unidos e Reino Unido e da persistência e do aprofundamento das políticas monetárias ultra-acomodatícias na zona do euro e no Japão, o dólar e a libra esterlina valorizaram-se fortemente, o que poderia sufocar o canal externo da retomada anglo-saxã. Somem-se a isso a desaceleração chinesa e de outros emergentes e o sintoma preocupante da queda do preço do petróleo, e está desenhado o quadro de forte desaceleração global.

E há, finalmente, como pano de fundo, a nova teoria da estagnação secular, ligada principalmente aos Estados Unidos, e que vê fatores estruturais de demanda e de oferta limitando o crescimento futuro do mundo rico para níveis bem abaixo dos experimentados no período que antecedeu a grande crise global.

Existe, porém, uma corrente de analistas que acha a narrativa acima exagerada, e que vê os picos de volatilidade desta semana e a proliferação de teorias sobre a desaceleração como consequências mais de ruídos e oscilações pouco fundamentadas de sentimento do que de uma análise acurada dos fatos.

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Para um respeitado economista brasileiro, que compartilha da visão cética em relação ao risco de uma aguda desaceleração global, é inegável que fatos recentes esfriaram o ânimo em relação à economia mundial. A decepção concentra-se basicamente na Europa, com dados ruins de atividade e inflação na Alemanha e na zona do euro como um todo. Há inclusive uma discussão sobre se os problemas alemães podem ser mais conjunturais, ligados a fatores como as sanções à Rússia, ou se trata-se de uma perda de fôlego mais fundamental, que certamente daria a tônica da zona do euro por um prazo mais longo.

Uma outra discussão é até que ponto os problemas europeus e japoneses impactam a economia americana, que continua a apresentar alguns bons indicadores.

É aqui que entra especificamente a questão cambial, que teve forte repercussão recentemente. Em setembro, o dólar valorizou-se expressivamente ante as principais moedas, ganhando 4,2% ante o euro. Na semana passada, o Federal Reserve (Fed, BC americano) divulgou a ata da última reunião do seu comitê de política monetária, realizada em setembro.

Como nota o economista mencionado acima, a ata tratou pela primeira vez em muito tempo do tema do crescimento mais lento do resto do mundo e da possibilidade de que afetasse, via câmbio, a recuperação americana. "O Fed olha normalmente só para os Estados Unidos, e foi como se dissesse à zona do euro e ao Japão que não ia assistir impassivelmente à valorização do dólar, e que isso poderia ser levado em conta em suas futuras decisões". Desta forma, esse foi mais um fator a contribuir para que o mercado repensasse suas projeções sobre quando o Fed começará a elevar a taxa básica (Fed Funds).

O analista ressalva, entretanto, que o canal externo é pouco significativo para o crescimento americano, que depende muito mais do consumo das famílias do país. Estas, por sua vez, se beneficiam com comida e gasolina mais baratas, na esteira da queda do preço das commodities, o que libera poder de compra. Mas também reduz os índices cheios de inflação, dando mais força aos argumentos dos "pombos" no Fed, aqueles mais preocupados com o risco de atividade do que com o risco de inflação.

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"Os pombos ganharam argumentos adicionais para defende um ajuste mais lento dos juros", diz o economista. Ele acha que, mais do que dilatar o prazo projetado para o início de elevação dos Fed Funds, o conjunto de fatos recentes "desprecificou" as chances de antecipação da alta, que foi cogitada no início do ano. "Meados do ano que vem continua sendo uma boa aposta", ele acrescenta.

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Mas o analista vê correntes do mercado extrapolando, como a ideia de que a recuperação até agora da economia americana deveu-se basicamente aos programas de expansão quantitativa de liquidez, o que no limite levaria o Fed a se engajar numa quarta rodada.

"No médio prazo, o processo de remoção da liquidez global deve se dar de forma mais lenta, com novas iniciativas de afrouxamento quantitativo na Europa, com o Banco do Japão (BC) voltando a imprimir e com o Fed mais devagar na normalização do que se pensava no início do ano", sintetiza o economista. Isto, para ele, abre espaço para o Brasil fazer um ajuste ordenado da economia, especialmente do desequilíbrio externo. De qualquer forma, ele acha que a direção dos ventos não mudou: o excesso de liquidez será drenado, mesmo porque o impacto das ações do Fed é bem maior do que os do BCE e do Banco do Japão.

Fernando Dantas é jornalista da Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Esta coluna foi publicada pela AE-News/Broadcast em 17/10/14, sexta-feira.

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Opinião por Fernando Dantas
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