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Economia e políticas públicas

Opinião|Mercado de trabalho travado

Apesar de desemprego menor que mediana das projeções na PNADC de fevereiro, população ocupada está desacelerando e quem saiu do mercado de trabalho na pandemia está custando a voltar.

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Atualização:

A taxa de desemprego de 14,4% no trimestre dezembro-fevereiro da PNAD Contínua (PNADC) ficou abaixo da mediana das expectativas do Projeções Broadcast (14,6%), mas analistas alertam que os resultados da pesquisa não foram bons.

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Dessa forma, foi o fato de que liquidamente quase não houve entrada de pessoas no mercado de trabalho que explica o comportamento melhor do que esperado da taxa de desemprego.

Na verdade, como mostrado na divulgação da PNADC de fevereiro pelo IBGE, a população ocupada (PO) de 85,9 milhões no trimestre até fevereiro é apenas 0,4% superior à do trimestre anterior sem intercessão, isto é, aquele terminado em novembro.

"A PO está desacelerando", diz Duque.

A taxa de participação estava em 62% em fevereiro de 2020. Desde pelo menos 2012 ela se mantinha no nível de 61-62%. A quarentena inicial da pandemia levou muita gente a sair forçosamente do mercado de trabalho, e levou a taxa de participação a um mínimo de 54% em julho de 2020.

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Com a redução do isolamento social, a taxa de participação subiu para 57% em outubro, e está estacionada nesse nível até essa última leitura de fevereiro. Sempre se está referindo aos trimestre móveis até o mês mencionado.

Duque vê três possíveis causas para a estagnação da taxa de participação. A primeira, na qual não leva muita fé, seria que em fevereiro, na expectativa de um novo auxílio emergencial, um contingente expressivo não voltou ao mercado de trabalho.

A segunda explicação seria que muitas pessoas, especialmente mulheres, não voltaram ao mercado de trabalho em fevereiro porque até lá as escolas não haviam retomado aulas presenciais (não que o ensino tenha voltado a ser todo presencial agora).

A terceira explicação é a mais importante e candidata à principal causa do congelamento da taxa de participação: uma camada significativa da população ligada ao trabalho informal não voltou ao mercado de trabalho porque o setor de serviços, no qual se concentra a informalidade, ainda se mantém em boa parte paralisado por causa da pandemia.

Bruno Ottoni, economista da IDados, empresa de pesquisa de dados em mercado de trabalho e educação, também se impressiona com o fato de que 5,7 milhões de pessoas ainda não voltaram à PEA, a população economicamente ativa (empregados mais desempregados), em relação ao nível pré-pandemia.

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Ele nota que essa diferença em relação à PEA pré-pandemia pode ser até maior, porque a PIA ainda está crescendo.

"Tem muita gente para voltar ainda, o que distorce a visão do mercado de trabalho brasileiro quando a gente olha para o desemprego [que exclui os que não estão procurando emprego]", diz o especialista.

A grande questão é saber se e como essas pessoas se empregarão quando voltarem a buscar ocupação quando a pandemia arrefecer.

Comparando-se o trimestre terminado em fevereiro com o trimestre terminado em agosto (este captura um dos momentos de maior contração da PEA desde o início da pandemia), 4,86 milhões de pessoas voltaram ao mercado de trabalho.

Desse contingente, 4,2 milhões conseguiram emprego e o restante está desempregado. Mas essa absorção aparentemente alta foi de qualidade sofrível, já que 2,65 milhões conseguiram postos informais e 1,48 milhão, formais (numa conta aproximada de Ottoni).

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Quando se compara o trimestre terminado em fevereiro com o trimestre terminado em novembro, a volta para a PEA foi de 721 mil. Nesse caso, o retrato da absorção fica pior: 400 mil desempregados e 321 mil na PO.

Segundo Ottoni, essa segunda comparação, em prazo mais curto, talvez sinalize melhor a capacidade de o mercado de trabalho absorver milhões de pessoas que ainda devem voltar à PEA do que a comparação mais longa (com o trimestre encerrado em agosto).

Ele explica que tipicamente em crises quem se torna desocupado ou sai do mercado de trabalho são os trabalhadores menos qualificados (e também os menos necessitados de trabalhar, no segundo caso) - que, no entanto, comparados ao contingente já desocupado ou fora da PEA, tendem a ser os mais qualificados.

Quando há uma recuperação, prossegue Ottoni, quem volta primeiro são os mais qualificados no grupo desocupado ou fora da PEA (e os com mais necessidade de trabalhar).

Esse grupo tende a voltar rápido, o que pode estar refletido na absorção de 4,2 milhões no mercado de trabalho na comparação entre fevereiro e agosto. Mas à medida que os melhores vão conquistando postos, o nível de qualificação dos desocupados vai piorando, o que dificulta a absorção.

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Assim, enquanto a criação líquida de 4,2 milhões de postos entre fevereiro e agosto pode ter refletido aquele primeiro movimento, a volta dos melhores entre os desocupados ou que retornaram à PEA, a criação de apenas 321 mil na comparação de fevereiro com novembro (com 400 mil indo para o desemprego) pode retratar melhor o que vem pela frente, na visão de Ottoni.

Ele raciocina com uma projeção hipotética do Caged - que não é a sua -, pelo valor de face (o que é problemático) e de forma otimista, de criação de 1,5 milhão de empregos formais no ano. Ainda assim haverá necessidade de absorver 4,2 milhões de pessoas no mercado de trabalho, se a taxa de participação voltar ao nível pré-pandemia.

"A gente coloca [hipoteticamente, não é projeção de Ottoni] um total de 2-3 milhões em emprego informal, ainda estamos falando de um mínimo de 1 milhão que vai parar no desemprego", analisa o economista.

Ottoni projetava um pico da taxa de desemprego de 15,9% na PNAD-C de março, mas agora está revisando, exatamente porque não está havendo a volta ao mercado de trabalho pressuposta. Ele considera que o pico será por volta daquele mesmo nível, mas um pouco mais adiante.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

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Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 30/4/2021, sexta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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