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Economia e políticas públicas

Opinião|Moro divide até cientistas políticos

Entrada do ex-juiz na corrida eleitoral é vista como negativa para o jogo da política democrática por Octavio Amorim Neto, e positiva para seu colega na Ebape, Carlos Pereira.

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Atualização:

A entrada de Sergio Moro na disputa eleitoral está dividindo não só o eleitorado mas até os especialistas da ciência política, como os colegas na Ebape-FGV e amigos Octavio Amorim Neto e Carlos Pereira.

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Não se trata, claro, de apenas gostar ou não de Moro como candidato. Para Amorim Neto, a candidatura do ex-juiz não fará bem à democracia brasileira, posição contrária à de Pereira, que a vê como um benefício.

Para Amorim Neto, a entrada forte de Moro no cenário eleitoral é um fenômeno ligado à debacle do PSDB, que está deixando um vácuo muito grande no campo da centrodireita no Brasil.

Ele observa que a viabilização de partidos de centrodireita é importante para a estabilidade das democracias, tendo sido inclusive uma questão decisiva na constituição dos partidos mais massificados no final do século XIX.

Amorim Neto cita o livro ainda não traduzido "Conservatives Parties and the Birth of Democracy (Partidos Conservadores e o Nascimento da Democracia)", do cientista político americano Daniel Ziblatt, coautor com Steve Levitsky do célebre "Como as Democracias Morrem".

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No primeiro livro mencionado, Ziblatt explica como, diante do surgimento de partidos de esquerda fortes e com base sindical na virada do século XIX para o XX, no Reino Unido os conservadores conseguiram se organizar também e se tornarem competitivos, enquanto na Alemanha isso não ocorreu e o desdobramentos foram desaguar no nazismo.

O próprio Amorim Neto pondera que qualquer comparação com o nazismo é irrazoável, mas o ponto mais generalizável - inclusive para o Brasil - é que a existência de partidos de centrodireita viáveis é importante para manter a adesão das classes agrária, empresarial, conservadora etc. à democracia.

O cientista político tem muito a dizer sobre por que o PSDB perdeu - ou está acabando de perder, com alguma chance, mas pequena, de recuperar - esse papel, mas isso não é o objeto da coluna.

A questão é saber se Moro é um bom substituto, e Amorim Neto pensa decididamente que não.

O pesquisador menciona recente artigo da cientista política Maria Hermínia Tavares na Folha de São Paulo, no qual ela classifica Moro como representante da direita populista que de tempos em tempos "irrompe na cena nacional, de espada em punho contra os partidos e todo o sistema político".

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Tavares compara Moro com Jânio Quadro, Fernando Collor e o próprio Jair Bolsonaro.

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Para Amorim Neto, por ter politizado sua atuação como juiz, se deixando levar por uma postura de caça às bruxas, ter aderido a um governo autocrático como o de Bolsonaro, e ter um discurso antipolítica e antiparlamento, Moro não é um líder adequado para a centrodireita democrática.

O cientista político considera mais promissora, do ponto de vista de fortalecimento da democracia no Brasil, a tentativa - na sua interpretação - de Gilberto Kassab de fazer do PSD um substituto para o PSDB na centrodireita.

O plano inclui a tentativa de lançar o nome de Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, à presidência em 2022, o que Amorim Neto reconhece que, por enquanto, não decolou como alternativa competitiva.

Ainda assim, o cientista político diz que "da perspectiva da reconstrução da democracia, acho que será muito melhor a ocupação desse espaço por um partido como o PSD do que pelo Moro populista, com tradição de hostilidade a partidos e políticos - o que me espanta não é a esquerda odiar Moro, mas sim os liberais aderirem".

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A visão de Carlos Pereira é praticamente o contrário.

Pereira nota inicialmente que Moro foi alçado à condição de personalidade pública em função de atuação eficiente e estratégica na operação Lava-Jato.

Há até pouco tempo, prossegue o pesquisador, a maior crítica, inclusive acadêmica, à Justiça brasileira era a falta de ações coordenadas entre diferentes organismos. Havia competição de instituições com Ministério Público e Polícia Federal, o que contribuía para a impunidade especialmente em crimes de corrupção e colarinho branco.

Segundo Pereira, "a operação Lava-Jato representou um salto de qualidade e organização das organizações de controle, que atuavam de forma independente e por vezes rival - o Moro foi o grande coordenador, obtendo ganhos enormes contra a corrupção".

Os problemas de Moro na "Vaza-Jato", na interpretação de Pereira, derivam de um "trade-off" complicado entre coordenação e impunidade.

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"Quanto mais coordenação, maior o risco de se resvalar para um conluio [entre juízes, promotores etc.] em prol de uma agenda de condenação, mas quanto menos coordenação, maior a impunidade", ele diz.

Assim, nota Pereira, as condenações de Lula não foram anuladas porque Moro e os promotores teriam forjado provas. O que Supremo decidiu por maioria apertada foi que Moro não era imparcial e tinha uma preferência condenatória, fazendo uso inadequado das ferramentas a seu dispor para combater a corrupção.

Um segundo ponto de Pereira é que o combate à corrupção não é uma agenda apenas moral, mas sim um processo com consequências políticas e econômicas muito grandes.

Ele menciona seu livro com o cientista político Marcus Melo (publicado em inglês, a tradução do título é "Fazendo o Brasil Funcionar: Dando Limites ao Presidente num Sistema Multipartidário"), que mostra a associação entre instituições de controle e combate à corrupção frágeis e ineficazes e maior déficit público, maiores gastos de pessoal e mais dinheiro para o sistema político em geral.

Assim, instituições de controle fortalecidas não apenas coíbem a corrupção criminosa, como também induzem o sistema político a uma atuação mais virtuosa em termos de gestão econômica e social.

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Dessa forma, para Pereira, a candidatura de Moro traz para o debate eleitoral essa discussão que o cientista político considera essencial para destravar o desenvolvimento do Brasil.

"Vai ser uma oportunidade para defender o legado da Lava-Jato e a sociedade decidir se prefere um desenho institucional que privilegia o fortalecimento partidário à custa da impunidade e da vista grossa ou se prefere instituições mais robustas que limitem comportamentos desviantes", ele diz.

O cientista político aponta também que Moro está entrando na corrida presidencial (a decisão definitiva quanto a isso ainda está para ser tomada) pela via partidária, tendo se filiado ao Podemos e interagindo com políticos - o que não combinaria com a ideia de um candidato antipolítica e antiparlamento.

No entanto, Pereira considera que ter entrado num governo de claro teor antidemocrático como o de Bolsonaro, achando que conseguiria tocar a sua agenda, foi um erro incontestável de Moro.

"Não o inabilita para a disputa, mas o fragiliza, e ele terá de responder por isso - mas os outros candidatos também têm muito sobre o responder", conclui o pesquisador.

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Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 26/11/2021, sexta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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