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Economia e políticas públicas

Opinião|"Não há risco de retrocesso"

Para cientista político Carlos Pereira, ao contrário da leitura que alguns fazem, ato de defesa da democracia não indica que ela está em risco, mas sim a sua robustez no Brasil.

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Atualização:

O ato em defesa da democracia na Faculdade de Direito da USP - com a leitura da "Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito" e do manifesto em defesa da democracia de entidades como a Fiesp e a Febraban - foi, na visão do cientista político Carlos Pereira (Ebape-FGV), uma demonstração da resiliência da democracia brasileira.

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Pereira ocupa um lugar peculiar no debate entre cientistas políticos e intelectuais em geral sobre os riscos à democracia desde que Bolsonaro chegou ao poder. Na visão do pesquisador, esse risco sempre foi muito baixo, ao contrário do que pensam muitos dos seus colegas.

Para Pereira, "a demonstração de hoje é mais uma prova de que a sociedade brasileira não sofre de risco de retrocesso".

Ele reconhece que, em certo tipo de leitura, a afirmação acima pode parecer contraditória: se não há risco à democracia, por que fariam um ato para defendê-la?

O cientista político, entretanto, argumenta que é exatamente o vigor e a importância da reação às ameaças golpistas que torna o golpe um cenário extremamente improvável - para não dizer impossível - no contexto de uma democracia como a de hoje no Brasil.

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Na sua visão, a capacidade e o vigor das instituições democráticas brasileiras, que considera como antídoto a eventuais tentativas golpistas, reside não apenas nas entidades formais do governo, Legislativo e Judiciário,  mas também - justamente - na sociedade civil organizada.

Ele vê o movimento de hoje como muito representativo do que chama de "dominant network" (rede dominante) de atores políticos, jurídicos e econômicos da sociedade nacional, além de artista, intelectuais e figuras de destaque em geral.

"A maioria desses grupos está completamente convencida de que não há alternativa à democracia, e pronta para lutar por essa crença", diz Pereira.

Esse posicionamento de elites poderosas, na visão do cientista político, aumenta o custo de quem quer jogar fora das regras do jogo e torna a ameaça golpista de Bolsonaro ainda menos crível do que já era (para ele).

O pesquisador menciona ainda o papel da mídia brasileira, extremamente vigilante e atenta a todo e qualquer desvio das regras democráticas.

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Pereira esclarece que não está dizendo que as ameaças de Bolsonaro não existem, mas sim que elas são muito pouco críveis.

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Em relação aos militares, ele pondera que há um natural alinhamento com o conservadorismo representado por Bolsonaro. Por outro lado, Pereira crê que não existe disposição real nas Forças Armadas para romper com as regras do jogo, apesar das manifestações de alguns de apoio a teses golpistas do presidente, como a contestação do sistema eleitoral e da lisura das urnas eletrônicas.

Novamente, o cientista político enxerga um custo excessivamente alto para os militares em qualquer tentativa de romper com a ordem estabelecida, dada a posição contrária da maioria da população e das elites.

Ele acrescenta que as Forças Armadas saíram muito chamuscadas da experiência anterior de intervenção antidemocrática na vida política do País, a partir do golpe de 1964. Além da desmoralização causada pela evidência dos desaparecimentos e da tortura, o final do regime militar também foi marcado pelo fracasso econômico.

Na interpretação de Pereira, por décadas nenhum ator político ou mesmo cultural no Brasil se autointitulava "de direita" justamente por causa da associação negativa com a ditadura militar.

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Ele considera que boa parte do oficialato - com o qual teve bastante interlocução nos últimos anos em cursos e palestras - hoje tem mentalidade bem mais profissional do que na época da ditadura, inclusive com experiência internacional, e não embarcaria numa aventura golpista "com todo o cheiro de fracasso".

Pereira não descarta uma contestação inicial por Bolsonaro do resultado das urnas (caso perca) e turbulências provocadas por grupos radicalizados.

Mas ele pensa ser mais provável que "Bolsonaro estique a corda até o limite, mas depois ceda".

Antes mesmo da votação de outubro, o presidente já tem um limitador para sua retórica golpista pelo fato de que esta afasta parte do eleitorado que é anti-PT e antilulista, mas firmemente democrático.

No cenário pós-eleitoral, os riscos de conduta antidemocrática por parte de Bolsonaro se agravam bastante, na visão do pesquisador.

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Esses riscos são principalmente judiciais, uma seara com a qual sabidamente Bolsonaro se preocupa muito. Derrotado na eleição, se Bolsonaro encabeçar uma luta golpista consistente para se manter no poder, o perigo de vir a ter problemas judiciais muito sérios, inclusive risco deprisão, crescem exponencialmente.

Os recentes problemas jurídicos de Trump nos Estados Unidos após a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021 provavelmente estão no radar de Bolsonaro.

Embora obviamente ressalve que não tem como ter certeza sobre isso, Pereira diz não descartar que Bolsonaro, se derrotado, ao fim e ao cabo reconheça que perdeu e até passe a faixa presidencial.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Opinião por Fernando Dantas
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