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Economia e políticas públicas

Opinião|Ninguém disse que ia ser fácil

É um engodo dizer que a quebra de expectativas em relação à recuperação em 2017 desmascara o engodo de que apenas a troca de presidentes resolveria o problema da economia. Basta saber qual é o diagnóstico por detrás da estratégia da atual equipe econômica para entender que todos sabem que o desafio à frente é dificílimo e que o sucesso é incerto.

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Atualização:

O grande desapontamento em relação à retomada da economia neste final de 2016 tem levado a algumas análises rasteiras e apressadas sobre o que teria sido um engodo "golpista": a ideia de que a troca de Dilma Rousseff por Michel Temer na presidência levaria automaticamente à resolução dos graves problemas econômicos brasileiros e à retomada de um ritmo satisfatório de crescimento do PIB.

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Há várias camadas de equívocos nesse tipo de afirmação, que precisam ser desbastadas cuidadosamente. Em primeiro lugar, quem vê com bons olhos, de forma geral, o trabalho da atual equipe econômica (como este colunista) não necessariamente apoiou o impeachment ou passou um atestado de impecabilidade sobre a destituição da presidente Dilma Rousseff. Pode tê-lo feito ou não. Não existem ligações rígidas e obrigatórias entre as posições sobre as duas questões.

Por outro lado, é provável que a maioria daqueles que torcem pelo sucesso da atual estratégia econômica reconheça a legitimidade do governo Temer, o que é bem diferente de apoiá-lo da forma como se faz quando o candidato em quem se votou é eleito.

Passando à questão econômica propriamente dita, é sabido que a orientação geral do governo Temer - e a escolha da sua equipe econômica - está alinhada com o documento "Uma Ponte para o Futuro", que por sua vez se nutriu em diagnósticos como o do longo ensaio sobre a atual crise econômica produzido pelos economistas Mansueto Almeida (que foi para o governo), Marcos Lisboa e Samuel Pessoa.

Quem se deu ao trabalho de ler este último trabalho sabe muito bem que nada é mais distante da abordagem dos três economistas do que a ideia de que atual crise é tão fácil de ser superada que uma simples mudança de presidente resolveria o problema. Com certeza, os principais quadros da atual equipe econômica trabalham com a ideia de que seu sucesso é algo incerto e muito difícil. Obviamente, não se espere que Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, saia a público para alimentar o pessimismo. Isto não quer dizer que considere sua missão fácil e de sucesso garantido.

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A enorme dificuldade do atual desafio pode ser entendida de forma direta e transparente a partir do diagnóstico formulado por Mansueto, Lisboa e Pessoa. A crise de hoje é, na verdade, o desfecho desastroso de dois processos nocivos. O primeiro, mais estrutural e profundo, foi a institucionalidade fiscal surgida a partir da Constituição de 1988, que condicionou que a despesa pública crescesse sistematicamente a uma velocidade muito superior à do PIB.

O segundo processo foi o desvio de política econômica conhecido como "nova matriz", que teve suas raízes no governo Lula e se radicalizou durante a presidência de Dilma Rousseff. Os erros crassos da nova matriz agravaram muitíssimo o fim coincidente de dois ciclos, de certa forma ligados: o boom de commodities e o período em que um crescimento anormalmente forte da receita pública no Brasil mascarou o desequilíbrio fiscal estrutural.

O desafio hoje, portanto, é o de reconstruir a economia brasileira a partir da montanha de escombros depois de um terremoto tanto estrutural quanto conjuntural.  Somente um louco acharia fácil encarar essa tarefa a bordo de um governo extremamente impopular, com legitimidade questionada por uma parcela minoritária, mas substancial, da população, e ameaçado pela limpeza ética e legal da Lava-Jato.

Os que apontam o fiasco do suposto otimismo trazido pelo governo Temer embaralham, propositadamente ou não, dois processos diferentes.

O primeiro deles é o desafio econômico e fiscal em termos mais amplos - que, como já detalhado, é imenso e que jamais foi ignorado por quem quer que comungue, em parte ou no todo, do diagnóstico que dá base à atual política econômica.

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O segundo processo é a retomada cíclica conjuntural, que sempre existirá, mesmo nos mais devastadores processos de deterioração econômica. De fato, a excepcional alta dos ativos financeiros nacionais do início até meados do ano e a elevação dos índices de confiança sobre o futuro de empresários e consumidores até há alguns meses alimentaram a expectativa de que a economia brasileira poderia encontrar o fundo do poço neste segundo semestre e retomar um crescimento bastante moderado em 2017.

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Essa expectativa se frustrou, o que traz enormes preocupação aos gestores da política econômica. É sabido que recessões arrasadoras como a atual dão ensejo a "falsos positivos" de fundo do poço, isto é, sinais que não se confirmam de retomada. Isto não quer dizer, obviamente, que durarão para sempre. Mas o tempo adicional de sofrimento pode algumas vezes ser fatal, no sentido de ultrapassar o limite de tolerância da sociedade e do sistema político, abandonando-se políticas racionais em favor de tentativas populistas desesperadas e contraproducentes de reanimar a atividade; ou de criar círculos viciosos que tragam ainda mais para baixo a economia, como a queda de receitas tributárias levando a novos cortes de gasto, que deprimem a demanda e assim por diante.

Política monetária - É válida a discussão sobre se algum possível erro de sintonia fina possa ter causado ou estar causando esse desconforto suplementar que em teoria arrisca botar tudo a perder. O candidato atual a ser este erro é a postura alegadamente conservadora em demasia do BC no processo de afrouxamento monetário.

Longe, porém, de se tratar de um erro primário e óbvio, seria apenas uma possível - e longe de comprovada - falha da política monetária na operação de gigantesca dificuldade de desmontar o estrago inflacionário provocado pela nova matriz.

Como o BC trabalha permanentemente com "trade-offs", há, embutido no suposto erro de excesso de conservadorismo, o indiscutível efeito colateral positivo da reancoragem de expectativas inflacionárias. A verdadeira questão, portanto, é saber se a reancoragem saiu cara demais em termos de prolongamento da recessão, diante das pressões sociais e políticas derivadas do delicado timing do ajuste, o que é uma possibilidade real. Só um ou dois anos de perspectiva histórica permitirão (se permitirem) responder a esta questão com um grau aceitável de consistência. E sempre é bom lembrar que, mesmo se houve erro (um grande "se") na política monetária, há a possibilidade de que este seja corrigido a contento pela aceleração do processo de cortes da Selic.

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Em resumo, ninguém em sã consciência achou ou acha que será fácil tirar o Brasil da atual armadilha. Existem chances de que a vertiginosa queda do PIB desde 2015 seja apenas o prólogo de um longo período (que poderia durar décadas) de decadência socioeconômica, embrulhado em tumulto social, inflação muito elevada e desgoverno populista. No processo de tentar evitar esse desastre, erros relativamente pequenos podem, sim, ser gotas d'água que aumentam a chance de um desfecho negativo. Entretanto, não só deve-se levar em conta que será a perspectiva histórica futura que indicará com mais clareza quais teriam sido de fato estes erros, como também o fato de que a melhor forma de evitar erros em jogos extremamente difíceis é deles não participar. Não é desta última postura que o Brasil está precisando no momento. (fernando.dantas@estadao.com)

Fernando Dantas é jornalista do Broadcast

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 27/12/16, terça-feira. É o último post de 2016 do colunista.

Opinião por Fernando Dantas
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