Um respeitado e conhecido gestor interpreta este momento crítico da economia brasileira como o início de um ajuste forçado pelo mercado, que será mais longo e profundo do que um ajuste que fosse comandado pelo governo.
"Se o ajuste fiscal e de conta corrente se desse de forma organizada, o processo seria menos doloroso e menos dramático - infelizmente, parece que esta possibilidade está cada vez menor", ele diz. No novo cenário, o gestor não descarta que o câmbio tenha um overshooting acima da faixa de R$ 3,8 a R$ 3,9, que ele vê como a que traria equilíbrio na conjuntura mais deteriorada.
Ao longo do ano eleitoral, e mesmo antes, muito se discutiu sobre como seria o ano de 2015, para o qual a maior corrente de analistas previa um processo difícil de ajustamento dos excessos dos anos de euforia da era Lula e dos graves erros de política econômica cometidos pelo ex-presidente e, principalmente, por Dilma Rousseff, com sua nova matriz econômica.
Uma das questões centrais daquele debate era se o governo tomaria a iniciativa de provocar o ajuste, o que supunha a adoção de uma política econômica ortodoxa, ou se, em seu segundo mandato, Dilma faria "mais do mesmo" ou "tocaria com a barriga" - isto é, a política econômica tentaria continuar a adiar o momento da verdade, e não representaria uma ruptura tão forte com a orientação do ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega.
Quando de forma surpreendente a presidente escolheu Joaquim Levy para o ministério da Fazenda, os mercados celebraram, já que ficou claro que a escolha tinha sido pelo ajuste induzido, e não pelo "mais do mesmo". Analistas e investidores deram o benefício da dúvida para o novo comandante da economia, baseados na sua impecável formação técnica e na sua reputação de falcão fiscal.
Como costuma acontecer, porém, o mercado subestimou o fator político. A ideia de que basta ter o tecnocrata adequado no cargo mais importante é uma ilusão, porque os problemas da economia brasileira transcendem muito a esfera de decisão unilateral da Fazenda, do Banco Central e mesmo do Palácio do Planalto. Sem o firme engajamento do Congresso, o que exige condições de liderança para o Executivo, é quase impossível enfrentar a dura agenda do ajuste.
A campanha eleitoral virulenta do PT e o enorme estelionato eleitoral praticado com a adoção da política econômica ortodoxa envenenaram o ambiente político e tornaram ainda mais difícil a governabilidade e a condução do ajustamento da economia brasileira.
Segundo o gestor, um dólar a R$ 3,5 seria o suficiente para um ajuste administrado da economia brasileira, conduzindo o País para um déficit em conta corrente ligeiramente abaixo de 3% do PIB em 2016.
"O problema é que esse cenário assume que existe financiamento, o que pode não ser o caso, já que o ancoramento básico da economia, que tem que ser fiscal, está se esfarelando", observa.
Ele nota que Levy entrou prometendo fazer um superávit primário de 1,1% do PIB em 2015, de 2% em 2016, e mantê-lo em 2% daí em diante. "Agora a expectativa é de déficit em 2015 e 2016, e não se tem a mínima ideia do que virá em 2017 e 2018 - os preços têm que ajustar a essa nova realidade, o risco tem que subir, a probabilidade de o País perder o grau de investimento ficou altíssima", complementa.
Ele acha que, no novo cenário, de ajuste forçado, talvez o Brasil tenha que caminhar para um déficit em conta corrente de 1% do PIB ou mesmo zerado em 2016. O gestor acredita que um dólar a R$ 3,8 ou R$ 3,9 talvez fosse suficiente para esse ajuste, mas lembra que não é assim que as coisas funcionam nos mercados: "É muito possível que haja overshooting acima dos valores que dão o equilíbrio na nova situação", observa.
Para ele, o problema principal não é a trajetória dos déficits fiscal e externo, mas a disfuncionalidade do governo, que está impotente para lidar com o agravamento da situação. O mercado, os investidores e provavelmente as agências de rating percebem a deterioração política e seu impacto na dinâmica econômica. A forte queda do investimento há muitos trimestres consecutivos ilustra bem a intensidade da perda de confiança.
O gestor nota, finalmente, que, na última reunião do Copom, o BC acabou subindo 0,5 ponto porcentual a Selic depois de ter emitido muitos sinais de que seria 0,25, e a decisão veio na esteira de um fato novo no front fiscal, a redução das metas de superávit primário. Agora, na semana de mais um Copom, há também um fato fiscal novo, o Orçamento com previsão de déficit em 2016. "Não é nada provável, mas eu diria que tampouco é 100% impossível que o BC surpreenda de novo e mude em relação à sua sinalização, subindo a Selic esta semana", ele conclui. (fernando.dantas@estadao.com)
Fernando Dantas é jornalista da Broadcast
Esta coluna foi publicada em 31/8/15, segunda-feira, pela AE-News/Broadcast;