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Economia e políticas públicas

Opinião|O alto custo de renegociar dívida agrícola

Nos 18 anos entre 1995 e 2013 foram realizadas 19 renegociações de dívida agrícola - mais do que uma por ano, portanto. É difícil calcular o valor total de recursos públicos que foram parar no bolso de agricultores ricos, pobres e de classe média, porque há muito pouca transparência no processo. Mas é certo que vários pontos porcentuais do PIB esvaíram-se nessas renegociações. O custo apenas da Lei 11.755, de 2008, foi de 2,47% do PIB.

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Atualização:

Essa análise e esses dados estão em detalhado estudo recente de Fernando Lagares Távora, da Consultoria Legislativa do Senado.

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No roteiro típico da renegociação de dívida agrícola, pequenos, médios e grandes agricultores são resgatados por reestruturações de empréstimos junto à rede bancária, especialmente os bancos estatais (e com destaque para o Banco do Brasil), com o uso de recursos públicos. Grandes subsídios e perdão de expressivas fatias da dívida são corriqueiros. Na renegociação de 2013, por exemplo, o perdão de dívida atingiu 85% do saldo devedor em algumas operações.

O trabalho de Távora aponta a clara tendência de grandes agricultores tomarem carona em renegociações que de início tinham caráter "social" e voltavam-se a lavradores de baixa renda, geralmente em cultivos de subsistência.

Nesses casos, o governo envia um projeto de lei para o Congresso Nacional, e a "bancada ruralista" encarrega-se de ampliar o foco da medida. Assim, a proposta original da lei de renegociação de dívida rural de 2013 tinha um teto de R$ 35 mil, e se restringia a financiamentos à pequena agricultura familiar em áreas de pobreza extrema, ou em que se houvesse decretado estado de emergência por causa da seca.

Na tramitação no Congresso, permitiu-se que a renegociação fosse ampliada para agricultores não familiares e fora das áreas pobres, e o limite subiu para R$ 100 mil. A ampliação elevou o custo da medida de R$ 870 milhões para R$ 3,5 bilhões. Apenas 2% dos contratos renegociados estavam na faixa de R$ 35 mil a R$ 100 mil, mas abrangiam 25% do saldo devedor. Um pequeno grupo de grandes devedores apropriou-se de grande parte dos benefícios da renegociação.

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O estudo de Távora indica que os estudos de viabilidade econômica para os financiamentos são deficientes, tanto de vista da viabilidade técnica do plantio (escolha do produto, área adequada, técnicas empregadas) quanto do risco climático. Some-se a isso o fato de que os bancos não têm muitos incentivos em fazer uma avaliação cuidadosa, porque o prejuízo em última instância é do Tesouro e porque são remunerados com base em percentual do total emprestado.

Há muitas distorções no sistema, como perdões que só atingem os inadimplentes e punem os que estão em dia, ou o fato de que a possibilidade de novas renegociações cria incentivos para que agricultores já beneficiados tornem-se inadimplentes de novo.

A criação de um sistema mais racional de seguro rural é difícil, pela dificuldade em diversificar riscos (uma seca, pela sua abrangência, pode gerar enormes perdas para seguradoras) e porque exigiria aportes iniciais do governo (em caso de subsídio explícito), quando geralmente o que ocorre é o pagamento da conta depois do fato consumado, em reação à pressão política. Além disso, a bancada agrícola tem interesse num sistema mais discricionário, em que crie dependência dos agricultores.

De qualquer forma, o custo das renegociações de dívida agrícola é muito alto, não só em termos fiscais, mas também porque o modus operandi atual incentiva a ineficiência não só no plantio mas também na gestão do negócio.

Fernando Dantas é jornalista da Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

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Esta coluna foi publicada pela AE-News/Broadcast em 10/7/14, quinta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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