O petróleo está muito caro e este fato é, sem dúvida, um componente central de por que gasolina e diesel estão pela hora da morte. Mas outro componente, menos comentado, é o forte aperto no mercado global de refino.
O assunto vem sendo analisado na imprensa econômica internacional. Javier Blas, colunista de energia da Bloomberg, escreveu no início de maio que a economia real estava sofrendo um choque muito mais forte do que o sugerido pela evolução da cotação do petróleo, porque o preço dos combustíveis estava subindo de forma muito mais rápida do que o da matéria-prima.
Na verdade, do início do ano até a presente data, segundo verificação desta coluna, de fato a gasolina no varejo dos Estados Unidos subiu significativamente mais que o petróleo do tipo Brent, 51% contra 30%. Mas quando se toma o petróleo do tipo WTI, cotação muito relevante no mercado americano, a alta é de 47%, mais próxima daquela da gasolina.
Há uma pequena defasagem no dado do preço médio de todos os tipos de gasolina nos Estados Unidos divulgado pela US Energy Information Administration (EIA). Assim, a alta no ano de 51% vai até a semana de 7 a 13 de junho.
De qualquer forma, segundo Blas, da invasão da Ucrânia em 24/2 a 9 de maio (quando seu artigo foi escrito), o WTI subiu 13,1%, e cotações relevantes de gasolina, diesel e combustível de aviação tiveram alta de, respectivamente, 32,9%, 68,8% e 137,4%.
Segundo o analista, a tradicional sincronia entre preços do petróleo e dos combustíveis foi rompida recentemente, e a razão seria a explosão das margens de refino. A margem do refino, de acordo com seus dados, subiu da média de US$ 10,5 entre 1985 e 2021 para quase US$ 55 em maio de 2022.
As causas da divergência entre matéria prima e derivados, para Blas, são a retomada da demanda por combustíveis; o uso de reservas estratégicas pelos Estados Unidos e aliados que segurou o preço do petróleo; o recuo nos últimos anos da capacidade de refino global, ligado em parte à transição energética; e os embargos e sanções à Rússia, que exportava também diesel e petróleo semiprocessado para refinarias ocidentais, especialmente na Europa.
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O grande aumento do custo de transporte marítimo e o uso de gás natural (cujo preço explodiu) para produzir energia para refinarias europeias compõem esse quadro.
Um especialista brasileiro no setor comenta que, tradicionalmente, o refino era visto como um negócio complicado: exige grandes e prolongados investimentos, tem muitas complexidades técnico-comerciais e logísticas (tipos de petróleo que podem ser refinados nesta mas não naquela refinaria) e fica espremido entre a cotação do barril de petróleo e quanto o consumidor está disposto a pagar na bomba. O mercado é global e, portanto, competitivo, o que tende a espremer as margens.
Por cima disso, a transição energética e a agenda ESG vêm fazendo do refino um patinho feito em termos de perspectivas de longo prazo e até do prestígio do negócio, o que também reduziu investimentos nos últimos anos.
Dessa forma, a alta lucratividade do refino no momento pode ser temporária. No Brasil, o processo de privatização das refinarias pela Petrobrás deve ser afetado não só por esse momento singular do setor globalmente, mas também pela politização crescente de decisões que deveriam ser técnicas e econômicas, num país cada vez mais polarizado.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 29/6/2022, quarta-feira.