A intensidade de teor dovish da mensagem que veio ontem (31/1) do Fed pode ter surpreendido os mercados, mas não foi ela que explicou a queda da rentabilidade dos títulos do Tesouro americano de dez anos de 3,24% para 2,65% em pouco mais de dois meses. Hoje, naturalmente, a rentabilidade do Treasury voltou a cair - no fechamento de ontem, estava em 2,68%.
Carlos Kawall, economista-chefe do Banco Safra, menciona um aspecto das recentes peripécias monetárias do Fed que chama menos a atenção do que a expectativa sobre novos movimentos dos Fed Funds, a taxa básica. Trata-se do tamanho do balanço do Fed, uma área em que a trama também vem se desenvolvendo de forma não prevista por muitos participantes do mercado.
Quem tem mexido com esse filão é o Morgan Stanley, que retornou ao tema no relatório "Insight into the Balance Sheet", de 11 de janeiro. Em resumo, o banco prevê que "o surpreendente fim antecipado da normalização do balanço (do Fed)" - do qual tratou em outro relatório - vai se tornar "menos surpreendente". A razão é que, segundo a previsão do Morgan Stanley, na reunião de junho do FOMC, o comitê de política monetária americana, o Fed anunciará medidas relativas à redução do balanço que deixarão mais clara a mudança de estratégia. O banco também prevê que o Fed vai dar por terminado o processo de redução do balanço em setembro deste ano.
Simplificadamente, quando, em reação à Grande Recessão pós-crise global, o Fed praticou o chamado afrouxamento quantitativo, comprando títulos de longo prazo no mercado (e aumentando seu balanço), as taxas longas tenderam a cair. Agora, com a política reversa de reduzir o balanço, cria-se uma pressão altista nas taxas longas.
Na visão do Morgan Stanley, entretanto, os efeitos do enxugamento quantitativo são de certa forma reforçados pelo ambiente atual de taxa básica mais elevada e em alta. Tecendo uma série de argumentos técnicos, inclusive sobre a questão do prazo médio dos ativos do Fed, o relatório chega à conclusão de que o enxugamento quantitativo nas atuais circunstâncias é particularmente encorajador e incentivador da redução dos riscos dos balanços do setor privado - o contrário do que ocorreu durante a fase de afrouxamento.
Uma questão fundamental no processo de reenxugamento quantitativo, como explica Kawall, é até que tamanho o balanço do Fed será reduzido. É aqui que surgiram novidades que possivelmente mexeram mais do que se imagina com os mercados globais desde 2018.
No relatório, o Morgan Stanley prevê que o Fed vai reduzir seu balanço do atual nível de US$ 4 trilhões para um piso de US$ 3,8 trilhões em setembro e interromper o processo. Kawall nota que, no início do processo, pensava-se que a redução iria até um tamanho de balanço entre US$ 2 trilhões e US$ 3 trilhões. Na verdade, como explica o economista, nem é mais possível ir para um patamar mais próximo de US$ 2 trilhões, porque apenas em papel moeda nas mãos do público e um nível já baixo de depósitos compulsórios já se chega a US$ 2,5 trilhões.
Adicionalmente, por questões regulatórias pós-crise global, os bancos têm que trabalhar com níveis maiores de liquidez, o que faz com que mantenham reservas no Fed em excesso aos compulsórios.
A visão resumida, portanto, é que o efeito do enxugamento quantitativo foi um dos fatores - e talvez não devidamente reconhecido à época - por detrás da alta expressiva da rentabilidade dos títulos longos do Tesouro americano, com o Treasury de dez anos saindo de 2,1% no final de 2017 até um pico de 3,25% cerca de um ano depois.
Mais recentemente, desde que começou a se desvelar a mudança na estratégia de redução do balanço pelo Fed, aproximadamente no terceiro trimestre do ano passado, isso foi um dos fatores para que a rentabilidade dos Treasuries reagisse rapidamente e recuasse para o nível atual de 2,65%. A mudança de estratégia, naturalmente, contempla um reenxugamento quantitativo menos intenso.
Como quase tudo o mais que tem surgido de forma "exógena" para o governo Bolsonaro - isto é, que não depende do próprio -, os recentes desdobramentos da normalização do balanço do Fed são uma boa notícia, que tende a reduzir o risco Brasil. Se a sorte será devidamente aproveitada para corrigir os problemas estruturais da economia brasileira é outra conversa.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 31/1/19, quinta-feira.