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Economia e políticas públicas

Opinião|O fator petróleo

Segundo o especialista Adriano Pires, remanejamento da produção e comércio do petróleo em função da guerra Rússia-Ucrânia é mais complicado do que muitos creem.

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Atualização:

A guerra Rússia-Ucrânia já cria fortes impactos no comércio de commodities, com destaque para o petróleo e gás, com a Rússia como protagonista global do setor. O tema da hora é o embargo das exportações russas de petróleo, como anunciado ontem por Joe Biden, presidente dos Estados Unidos.

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O especialista Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), nota, entretanto, que "o setor de energia tem muita inércia e não se aumenta significativamente a produção ou se troca de fornecedor do dia para a noite".

A muito comentada possibilidade de aproximação entre os Estados Unidos e a Venezuela para compensar eventual redução da produção russa, por exemplo, é vista com algum ceticismo - em termos do seu impacto - por Pires.

Tomando-se o documento Statistical Review of World Energy de 2021 da petrolífera britânica BP, a produção venezuelana de petróleo caiu de 2,8 milhões barris por dia (b/d) em 2010 para 540 mil em 2020, ou pífio 0,6% da oferta mundial naquele ano. Como base de comparação, a Rússia produziu 10,7 milhões de b/d em 2020, e o Brasil, 3 milhões de b/d.

A Venezuela tem as maiores reservas comprovadas do mundo de petróleo (304 bilhões de barris no final de 2020) mas, como explica Pires, isso se deve em grande parte às reservas de petróleo muito pesado do chamado "Cinturão do [rio] Orinoco", cujo nível de exploração e produção é - como fica claro na produção atual do país - incipiente.

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Na prática, nota o diretor do CBIE, mesmo para apenas a voltar à faixa de produção de 2-3 milhões de b/d, a Venezuela teria que fazer grandes investimentos - e que tomam bastante tempo - na sua infraestrutura petrolífera dilapidada por anos de populismo exacerbado e crise econômica drástica.

Pires observa ainda que, no primeiro impacto do anúncio do embargo dos EUA às importações do petróleo russo ontem (terça-feira, 8/3), o barril, em vez de disparar, como esperavam alguns, até recuou ligeiramente. A razão, ele diz, é que, com a produção de petróleo e gás de "shale", os Estados Unidos é autossuficiente. O país, aliás, tem a maior produção do mundo, de 16,5 milhões de b/d em 2020, segundo o documento da BP.

O caso da Europa, continua o analista, é totalmente diverso, com a região sendo importadora líquida de petróleo e gás. Dessa forma, fazer um embargo do produto russo é muito mais difícil e doloroso. Particularmente sensível é a questão do gás, com a Alemanha, principalmente, e outros países tendo se tornado dependentes do fornecimento por gasoduto do produto russo.

A opção de trocar o gás russo pelo produto liquefeito dos Estados Unidos tem os inconvenientes, de acordo com o especialista, de ser mais cara e não poder ser implementada de imediato. A infraestrutura de terminais, instalações etc. para importar gás liquefeito demora de dois a três anos para ser montada, ele acrescenta.

Na visão de Pires, a política energética europeia nas últimas décadas tornou-se excessivamente preocupada com o combate ao aquecimento global, e com menos atenção devotada à segurança energética - que pode voltar como consequência do atual conflito, na sua opinião. Assim, ele vê possibilidade de uma desaceleração da transição energética como efeito da guerra entre Rússia e Ucrânia.

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"A Europa é muito refém da energia renovável, que traz menos segurança por ser intermitente, isto é, gera-se quando a natureza permite, além do gás russo", avalia Pires. Ele lembra ainda a desnuclearização energética da Alemanha após o desastre de Fukushima no Japão (2011), que levou ao aumento da dependência do gás russo.

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Na verdade, os países que poderiam aumentar mais rapidamente a produção de petróleo são, além da própria Rússia, a Arábia Saudita e outros membros da OPEP do Oriente Médio. Porém, Mohammed bin Salman, príncipe herdeiro e líder da Arábia Saudita, já teria sinalizado que vai colocar os interesses do seu país à frente das demandas norte-americanas. A alta muito forte da gasolina nos Estados Unidos é uma grande pedra no sapato de Biden em ano de decisivas eleições para o Congresso.

Em termos da dificílima arte de projetar para onde vai o preço do petróleo, Pires nota que o barril já vinha em alta e a projeção de analistas para 2022, antes da eclosão da guerra, era de algo na faixa de US$ 90-95. Assim, uma forma simples de raciocinar é que tudo o que estiver acima desse nível seria sobrepreço geopolítico, e poderia ser "devolvido" caso o conflito seja resolvido e a paz reestabelecida de forma consistente. Ontem, o barril de petróleo WTI para abril fechou em US$ 123,7.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 9/3/2022, quinta-feira.

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Opinião por Fernando Dantas
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