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Economia e políticas públicas

Opinião|O grande debate macroeconômico da indústria

A redução da participação da indústria de transformação no PIB brasileiro de cerca de 19% para 13% entre a primeira metade da década passada e 2013 foi descrita por Renato Corona, do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Fiesp, como "uma brutal desindustrialização que está destruindo um patrimônio construído pelo povo brasileiro".

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Atualização:

Corona foi um dos debatedores na terça-feira, 27/5/14, segundo e último dia do Seminário Indústria e Desenvolvimento Produtivo do Brasil, uma promoção conjunta da Escola de Economia de São Paulo (EESP) e do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), ambos da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

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O evento discutiu as várias mazelas que prejudicam a indústria brasileira, passando por temas como política industrial, inovação e comércio exterior. Mas talvez o debate mais emblemático, por ilustrar a distância entre as visões de mundo que embasam diferentes diagnósticos sobre a indústria, foi o dedicado à macroeconomia e ao câmbio.

De um lado, os economistas Luiz Carlos Bresser-Pereira, da EESP, e José Luis Oreiro, da UFRJ, apresentaram planos ambiciosos sobre como resgatar a indústria e o crescimento econômico. As receitas de cada um têm importantes diferenças, mas partilham uma visão extremamente crítica do "tripé" macroeconômico implantado em 1999, composto por superávits primários elevados, câmbio flutuante e metas inflação.

Do outro lado, o economista Samuel Pessôa, do Ibre e da gestora Reliance, um defensor do tripé macroeconômico, argumentou que, com a baixa poupança brasileira, o País está fadado a ter uma indústria mais rala do que o desejado por desenvolvimentistas como Bresser-Pereira e Oreiro.

Para Pessôa, a baixa poupança deriva da escolha da sociedade brasileira, por meio do sistema democrático, de montar um pesado Estado de bem-estar social numa economia de renda média. Não é algo politicamente passível de mudança, portanto (a não ser que o eleitorado mude de opinião), e o Brasil deveria se adaptar a uma estrutura econômica com participação relativamente menor da indústria (o que não significa desindustrialização radical) e à convivência com déficits externos.

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Bresser, ex-ministro da Fazenda no governo Sarney, considera que os problemas industrias brasileiros derivam da "doença holandesa" (valorização da moeda que afeta grandes produtores de matérias-primas) e do "populismo cambial", a tentativa de controlar a inflação com câmbio valorizado.

Ele distingue a taxa de câmbio de "equilíbrio industrial", que viabiliza as empresas industriais competentes", e a de "equilíbrio corrente", que viabiliza as exportações de commodities. Bresser preconiza um imposto sobre exportações de matérias-primas que neutralize a doença holandesa e leve o câmbio a um nível que, neste caso particular, passa a ser tanto o do equilíbrio corrente quanto o do equilíbrio industrial.

Oreiro, por sua vez, defende um aumento gradual, porém muito forte, da poupança pública. Assim, o que ele chama de "superávit em conta corrente do governo" (saldo fiscal incluindo juros mas excluindo investimentos) deveria subir de 0,5% para 5% do PIB entre 2015 e 2025. Para tanto, ele sugere a redução de gastos de custeio e consumo do governo, e o aumento da tributação da atividade mineradora.

Além disso, o economista da UFRJ propõe a adoção de um regime de bandas cambiais flutuantes, com um ajuste gradual (no sentido da desvalorização real) em dois a três anos, amparado por controles temporários da saída de capitais. Na política monetária, sua receita combina metas de inflação de médio prazo (três anos) com redução gradual do intervalo de tolerância.

Finalmente, Oreiro prega a "moderação salarial", com uma regra de reajuste do salário mínimo de centro da meta de inflação mais 2% ao ano, e uma taxação adicional a empresas que concederem aumentos de salário acima da norma negociada com os sindicatos e o governo.

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Diante de propostas tão amplas e radicais de mudanças, Pessôa soou como alguém que insiste em demarcar limites. Para ele, países de baixa poupança como o Brasil só podem suprir seus excessos de absorção com importações líquidas de bens comercializáveis internacionalmente. Com a supercompetitividade brasileira em matérias-primas, todo o ajuste entre absorção e produção recai sobre a importação líquida de manufaturados.

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Assim, salvo mudanças sócio-políticas profundas, o Brasil está fadado a ser deficitário em produtos industrializados, com o consequente inchaço dos serviços, e superavitário em commodities.

A baixa poupança, por sua vez, deriva de "escolhas sociais" como o amplo sistema de seguridade social, que diminui o risco e, portanto, a propensão a poupar das famílias, além de onerar o Estado. Por sua vez, o fato de que boa parte dos benefícios previdenciários acompanha (ou até supera) os ganhos reais dos trabalhadores na ativa neutraliza parcialmente o mecanismo keynesiano que faz a poupança aumentar com a aceleração do crescimento econômico. Onde isso não ocorre, como na China, a despoupança dos aposentados é menor que a poupança dos trabalhadores na ativa (por causa do aumento constante dos salários reais), o que tem um efeito positivo sobre a poupança das famílias.

No mesmo painel de Bresser-Pereira, Oreiro e Pessôa, o ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, mostrou as dificuldades e dilemas para se obter "espaço fiscal" para as demandas competitivas da sociedade por recursos públicos. Ele indicou, porém, que as políticas distributivas de caráter social têm a preferência na disputa por esses recursos, quando comparadas com os pleitos por política industrial. A indústria, para Barbosa, deveria ser atendida por um câmbio efetivamente mais flutuante - o que depende, claro, de que o combate à inflação prescinda da valorização do real.

Fernando Dantas é jornalista da Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

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Esta coluna foi publicada pela AE-News/Broadcast na terça-feira, 27/5/14.

Opinião por Fernando Dantas
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