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Economia e políticas públicas

Opinião|O novo centro e o futuro

Há um movimento para rearticular o centro político brasileiro, e nomes como o do apresentador Luciano Huck e ex-governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, despontam. Há trunfos, mas também existem muitos obstáculos.

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Atualização:

Arminio Fraga dizendo que sem reduzir a desigualdade não dá para retomar o crescimento. Luciano Huck se movimentando cautelosamente na direção de uma possível candidatura presidencial em 2022, com o habilíssimo Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo (poderiam ser chamados de "dupla HH") comandando a articulação nos bastidores. Jovens e carismáticas (ou carismáticos) parlamentares como a deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP) lutando por uma pauta relativamente liberal na economia e relativamente liberal nos valores.

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Tudo acima indica que há uma tentativa de recomposição do centro político no Brasil, depois que o PSDB e Marina Silva foram pulverizados nas eleições de 2018. Vai dar certo?

Obviamente é uma pergunta (política) de um milhão de dólares. Mas é possível, ao menos, contrastar argumentos e visões de quem encara a hipótese com mais otimismo, e aqueles que são mais céticos.

O cientista político Carlos Pereira (Ebape/FGV) está no primeiro grupo. Já há algum tempo que o pesquisador vê uma expressiva demanda no Brasil por um governo que seja responsável em termos tanto econômicos como sociais, e que tenha uma agenda de valores não retrógrada.

"Acho que o centro ficou órfão na eleição anterior, embora haja uma grande quantidade de eleitores que compartilham de uma agenda desse tipo", ele diz.

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Na falta de uma candidatura forte que aglutinasse esse eleitorado, o centro foi capturado pelo sentimento antipetista e em grande parte migrou para Bolsonaro, na visão de Pereira.

Mas ele vê uma chance real de o centro se reorganizar como alternativa real para 2022, se houver um candidato competitivo que se afaste tanto do que chama de "inclusão irresponsável" do PT quanto da "agenda atrasada em valores e costumes" de Bolsonaro.

O cientista político crê que um eventual candidato centrista com maior apelo popular pode gozar do mesmo trunfo que postulantes mais à esquerda e à direita desfrutam, que é um enorme benefício da dúvida por parte dos seus eleitores.

Isto é, assim como aqueles que votam em Lula e Bolsonaro estão dispostos a perdoar e/ou fazer vista grossa para os muitos pecados de cada um dos líderes, um candidato mais carismático de centro também poderia contar com adeptos dispostos a se manterem fiéis na felicidade e na tristeza.

Mas Pereira acha importante que esse eventual candidato do centro volte seu discurso para o futuro, e não fique preso exclusivamente à crítica da polarização entre bolsonarismo e petismo.

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"É preciso vender a ideia de um Brasil do século XXI, competitivo e inclusivo, que respeita as instituições e é respeitado internacionalmente", recomenda o pesquisador.

Ele vê claramente dois polos se desenhando para 2022, com a reaglutinação da esquerda em torno de Lula agora livre, e da direita em torno de Bolsonaro com seu novo partido e a ênfase na pauta conservadora.

Mas Pereira enxerga também "o campo aberto para um candidato liberal em economia e costumes, que acredita na tolerância e na responsabilidade e rejeita a corrupção".

Se Pereira estiver certo, o primeiro turno de 2022 poderia ser uma emocionante disputa de três candidatos a duas vagas, com tudo podendo acontecer em termos de quem vai para o segundo turno.

A visão mais cética sobre o novo centro vem de Rafael Cortez, analista político da consultoria Tendências.

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Ele entende que os participantes da tentativa de reconstruir o centro tentem fazer diferenciações em relação a Bolsonaro, como adicionar um conteúdo de redução de desigualdade à pauta de reformas (Arminio) ou combinar liberalismo econômico com posições mais tolerantes e valores e costumes.

O problema, para Cortez, é que o centro do espectro político brasileiro de fato, e que possivelmente teria substância eleitoral, seria aquele que conseguisse atrair não só os insatisfeitos do bolsonarismo, mas também os insatisfeitos do petismo.

Isso incluiria uma aliança não só da centro-direita, mas que incluísse também a centro-esquerda, e inclusive personalidades como Ciro Gomes. O que torna a costura programática muito mais complicada. Afinal, nada mais distante de Ciro do que um liberalismo ao estilo de Arminio, por exemplo, que é provavelmente o que está nos planos de Huck e Hartung.

Na ausência de uma coalizão de cento mais ampla nesse estilo, com mais potencial eleitoral, raciocina Cortez, a tendência é que, em contraponto à polarização bolsonarismo-petismo, surjam várias "candidaturas alternativas", e não necessariamente "centristas": Huck, Doria, os próprios Ciro e Marina, até Witzel.

Num cenário desse tipo, seria bem provável a repetição em 2022 do primeiro turno de 2018: uma polarização entre a direita bolsonarista e a esquerda petista, e a fragmentação de todo o resto.

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A possibilidade desse tipo de cenário se reforça tanto pelo lado de Bolsonaro como de Lula.

Em relação ao atual presidente, a lenta recuperação da economia, se ganhar mais tração até o fim do mandato, como antecipam muitos analistas, vai reforçar seu pleito à reeleição.

Lideranças centristas, como Rodrigo Maia (no caso centro-direita) vivem o dilema de contribuir para a pauta econômica liberal, e reforçar o cacife de Bolsonaro, e de eventualmente trabalharem para uma candidatura alternativa centrista. É um cobertor curto, que deixa desabrigados os pés ou a cabeça.

Um sucesso moderado na economia de Bolsonaro até as eleições também dificulta o discurso econômico de um eventual rival centrista. Fazer oposição é atacar, e talvez seja insuficiente dizer que se manterá a pauta econômica liberal com alguns acréscimos sociais.

Pelo lado da esquerda, Cortez, como Pereira, vê espaço para Lula trabalhar por uma unificação em torno de si ou de alguém por ele apontado. Pode não atrair todo mundo (Ciro, por exemplo), mas deve ter cacife eleitoral suficiente para conseguir protagonismo em 2022.

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Fernando Dantas é colunista do Broadcast

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 22/11/19, sexta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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