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Economia e políticas públicas

Opinião|O PIB e os juros nos EUA

O forte crescimento da economia americana - de 4% em termos anualizados, na comparação dessazonalizada com o trimestre anterior - imediatamente traz à tona a discussão sobre a normalização da política monetária dos Estados Unidos. Refletindo a ansiedade em relação a essa questão, a rentabilidade dos títulos de dez anos do Tesouro americano teve alta expressiva ontem (30/7), atingindo 2,55% de tarde (ante fechamento a 2,46% ontem).

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Atualização:

Com a conclusão já programada para este ano do "tapering", isto é, o fim da última rodada de afrouxamento quantitativo, as atenções se voltam para o momento em que o Federal Reserve (Fed, banco central americano) vai começar a elevar os Fed Funds (taxa básica), hoje em virtualmente zero. No entanto, interpretar os números fortes de hoje do PIB dos EUA como sinal de possível antecipação do início da alta dos Fed Funds pode ser precipitado, segundo uma corrente de analistas.

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Fernando Rocha, economista-chefe e sócio da gestora de recursos JGP, nota que, abstraindo-se das fortes flutuações, a economia americana vem crescendo a um ritmo entre 2% e 2,5%, o que tem sido suficiente para recuperar o mercado de trabalho. Os números dos indicadores mais acompanhados de emprego e desemprego dos Estados Unidos voltaram a níveis próximos ao período pré-crise global.

No entanto, a taxa de participação (a população economicamente ativa, PEA, dividida pela população em idade ativa, PIA) caiu muito depois da crise, e hoje se encontra cerca de 1,5 ponto porcentual abaixo do nível considerado normal antes de 2008. Teoricamente, esse contingente saiu do mercado de trabalho, pois não busca emprego. Uma corrente de analistas, porém, considera que parte expressiva poderia retornar ao batente se as circunstâncias econômicas melhorassem, o que faria hoje do grupo "quase desempregados".

Quando se computam esses "desalentados" como desempregados (o que foge à definição clássica), a taxa de desemprego americana sobe para mais de 10%, o que configuraria um mercado de trabalho frouxo, que representaria pouco risco inflacionário. Nesta leitura, a recuperação dos indicadores clássicos do mercado do trabalho, na esteira do ritmo atual da economia americana, não indica, portanto, antecipação da alta dos Fed Funds, porque não estaria associada a potenciais pressões inflacionárias. Esta visão está longe de consensual, e há muitas controvérsias sobre o mercado de trabalho americano hoje, mas é possível dizer que é no mínimo controverso associar a melhora recente à necessidade de subir os juros.

Outra questão importante é a composição do crescimento de 4% no segundo trimestre. Na verdade, houve uma parruda contribuição de 42% da formação de estoques. "Houve destruição de estoques no primeiro trimestre e recomposição no segundo", diz Rocha, notando que isso explica em parte a forte oscilação da atividade entre as duas metades do primeiro semestre. No primeiro trimestre, a economia americana recuou 2,1% (houve uma revisão do número inicial, de queda de 2,9%).

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O economista acha que é difícil fazer uma previsão precisa de quando será iniciada a alta dos Fed Funds a partir de dados econômicos singulares. Hoje, o mercado discute em que trimestre de 2015 o movimento se iniciaria, mas Rocha ressalta que, seja qual for o timing exato, a sua projeção é de que os Fed Funds subam até algo como 2% e permaneçam bastante tempo por volta deste patamar, o que corresponderia a um juro real não distante de zero.

A razão, ele explica, é que a economia americana deve crescer no máximo no seu potencial, e não acima dele, o que não deve provocar pressões inflacionárias. Além disso, o economista considera que o Fed vai "preparar" bem o mercado para o início da alta, e acha difícil que haja o nervosismo de maio do ano passado, quando o tapering foi inicialmente ventilado de forma meio desastrada pelo ex-chairman do Fed, Ben Bernanke.

"Não prevejo uma inclinação súbita para cima da curva de juros americana", diz Rocha.

O economista Samuel Pessôa, da gestora Reliance e da FGV, tem análise semelhante. "Os números do PIB de hoje (30/7) não parecem mudar o cenário em relação a quando o Fed vai começar a subir os juros", ele analisa.

Fernando Dantas é jornalista da Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

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Esta coluna foi publicada pela AE-News/Broadcast em 30/7/2014, quarta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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